A vitória mais esperada dos últimos 22 anos

Neymar fez gol e bateu o pênalti do sonhado título olímpico
Desde a final da Copa do Mundo de 1994, o torcedor brasileiro não esperava tanto por uma vitória como a obtida nesta noite, no Maracanã. Vencer a medalha de ouro olímpica é uma obsessão nacional desde sempre: era o único título que faltava ao Brasil, e desta vez com circunstâncias muito especiais, pois a disputa foi dentro de casa, onde dois anos atrás a seleção deu fiasco na Copa do Mundo, e contra a mesma Alemanha que nos massacrou naquela oportunidade. O grito de campeão estava quase tão entalado quanto o dado naquela tarde quente de Los Angeles, quando Roberto Baggio isolou o último pênalti italiano.

Por coincidência do destino, aliás, a vitória tão aguardada também veio só nos pênaltis, como diante da Itália. E, a exemplo da final de 1994, foi merecida, por dar a quem jogou mais a merecida conquista. Falávamos antes do jogo que o Brasil era uma seleção mais forte, mais embalada para ser campeã olímpica que a Alemanha - ainda assim um time fortíssimo, de 21 gols marcados nos cinco jogos anteriores. E, mesmo que no primeiro tempo onde os germânicos acertaram três chutes no travessão, a Seleção era sempre a protagonista da partida.

Passado o respeito inicial normal de quem enfrentava uma seleção de tamanho significado na história recente do nosso futebol, o Brasil passou a impor seu jogo de aproximação e toques curtos. Neymar parecia descalibrado no arremate, mas suas enfiadas para os demais atacantes eram sempre excelentes. E ele só "parecia" descalibrado, até acertar uma falta perfeita, no ângulo de Horn, e fazer justiça no placar. A Seleção arrematava pouco, é verdade, inclusive menos que os alemães, mas tinha mais volume e personalidade. Merecia o resultado.

Na etapa final, Micale mudou a estratégia. Trouxe o time um pouco para trás, evitou pressionar a saída de bola e passou a jogar no erro da Alemanha. Não era algo de todo errado: os alemães têm no contragolpe sua maior arma, e passaram a se ver forçados a adotar um tipo de jogo diferente. Mas, se esta Alemanha específica prefere jogar sem a bola, vale lembrar que o trabalho de base feito no país há anos privilegia a posse de bola. Portanto, era uma equipe até não tão talentosa quanto a brasileira, mas extremamente bem preparada. E que chegou ao empate justamente assim, num belo lance coletivo, e finalização perfeita de Meyer.

Como em quase todas as decisões, é na hora da ducha fria que se separa os homens dos meninos. E este jovem Brasil provou ser um time de homens, na melhor acepção do termo. Em vez de se encolher, de a perna pesar, como o mesmo Maracanã viu em 1950, ou de os fantasmas de 2014 aparecerem, a Seleção pôs a bola no chão e partiu para cima de novo. Superando dificuldades físicas, arriscando, mas dando aos alemães apenas uma chance efetiva de contra-ataque até o final dos 90 minutos. Nesta hora, mais que nunca, é que o Brasil foi grande, enorme, e começou a ganhar mesmo o ouro.

Micale mexeu bem, também: retirou Gabriel, apagado, de quase nenhuma vitória pessoal, e pôs Felipe Anderson, que entrou arisco e agudo pelo lado direito. O gol não saiu, mas o ritmo se manteve o mesmo no primeiro tempo da prorrogação. Ali, algumas pernas começaram a pesar: visivelmente sem condições de jogo, Gabriel Jesus deixou o jogo para a entrada de Rafinha. Não dava mais para colocar atacantes, então que se pusesse um homem de meio com qualidade de saída. Nada de trocas seis por meia dúzia, mesmo que mais uma mexida fosse possível.

O segundo tempo da prorrogação foi o momento mais tenso dos 120 minutos, pois neles a Alemanha exibia mais condições físicas, o que sugeria possibilidade de vencer o jogo ou chegar mais inteira para a decisão por pênaltis. Mas os germânicos valorizaram a bola em vez de tentarem agredir o Brasil e buscar o gol do título. Neymar sentia cãibras, Luan já não fazia a marcação pressão, todos talvez já poupando forças para os pênaltis, onde o fator físico pesa demais também. Nas cobranças, porém, todos acertaram. E Wéverton, que já havia quase pegado três das quatro primeiras batidas alemãs, espalmou a de Petersen, o número 18, o mesmo 18 vestido pelo carrasco Toni Kroos dois anos atrás.

O título, mais que merecido, traz um novo astral para o futebol brasileiro. Uma seleção que deu fiasco na Copa em casa, fez duas Copas América péssimas e está fora da zona de classificação nas eliminatórias precisava de um título como esse para recuperar a autoestima. Se é preciso corrigir muita coisa no nosso futebol, convenhamos que o processo também se torna mais fácil com grandes vitórias. Se vitórias enganosas são maléficas, derrotas frequentes são ainda piores: estimulam o imediatismo e igualmente impedem uma análise racional da situação. Nem tudo são espinhos por aqui.

Depois de três pratas e dois bronzes, enfim o ouro no futebol
O Campeonato Brasileiro, que o senso comum adora dizer que é de nível baixo, é o certame disputado por nada menos que sete dos 11 titulares da seleção campeã olímpica. O nosso campeonato, por pior que seja sua condução pela CBF, tem sim bastante qualidade, e está entre os melhores do mundo, sempre esteve. Pode melhorar? Não só pode como precisa. Mas reúne ótimos jogadores - e a maioria deles, lembremos, abaixo dos 23 anos, o que representa um bom futuro para a própria seleção.

Ninguém deve esquecer as lições da Copa de 2014, claro, mas achar que tudo o que há de ruim está aqui também é equivocado. É preciso mais equilíbrio nas análises. Rogério Micale, por exemplo, é um profissional que luta contra o instinto que sempre regeu nosso futebol: estudioso do esporte, metódico, soube aliar o talento inegável de nomes como Luan, Neymar e Gabriel Jesus a um sentido coletivo que fez de um time pressionado e desacreditado após dois jogos horrorosos em campeão olímpico. Micale treinou a seleção na Olimpíada por um erro do destino, já que seu papel era preparar o time para Dunga assumi-lo. Mas ele, Micale, é um dos nomes que representa a renovação que precisamos, embora tenha sido o comandante desta conquista por conta do destino e dos velhos erros de planejamento que tanto atrasam a nossa vida.
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Jogos Olímpicos 2016 - Decisão da medalha de ouro
20/agosto/2016
BRASIL 1 x ALEMANHA 1
Decisão por pênaltis: Brasil 5 x Alemanha 4
Local: Maracanã, Rio de Janeiro (RJ)
Árbitro: Alireza Faghani (IRÃ)
Público: 63.707
Renda: não divulgada
Gols: Neymar 26 do 1º; Meyer 13 do 2º
Cartão amarelo: Zeca, Gabriel, Selke, Prömel, Sven Bender e Süle
BRASIL: Wéverton (7), Zeca (6,5), Marquinhos (7), Rodrigo Caio (6) e Douglas Santos (6); Walace (5,5), Renato Augusto (8,5) e Neymar (8); Gabriel (4,5) (Felipe Anderson, 24 do 2º - 6), Luan (6,5) e Gabriel Jesus (6,5) (Rafinha, 4 do 1º da prorrogação - 6). Técnico: Rogério Micale
Pênaltis: Renato Augusto (gol), Marquinhos (gol), Rafinha (gol), Luan (gol) e Neymar (gol)
ALEMANHA: Horn (7), Toljan (7), Ginter (6,5), Süle (6) e Klostermann (6); Lars Bender (6,5) (Prömel, 21 do 2º - 5,5), Sven Bender (6) e Meyer (7); Brandt (6,5), Selke (4,5) (Petersen, 30 do 2º - 4,5) e Gnabry (5,5). Técnico: Horst Hrubesch
Pênaltis: Ginter (gol), Gnabry (gol), Brandt (gol), Süle (gol) e Petersen (defendido)

Fotos: Lucas Figueiredo/MowaPress/CBF e Getty Images/Lawrence Griffiths/Divulgação.

Comentários

Lourenço disse…
"Se vitórias enganosas são maléficas, derrotas frequentes são ainda piores: estimulam o imediatismo e igualmente impedem uma análise racional da situação." Dá para emoldurar essa frase. Vitória merecida da Seleção que, quando o jogo apertou, foi arrumada conforme eu antecipei no Carta na Mesa de sábado, com a retirada de Gabriel para a entrada de um meio campo.