A semana tragicômica de Argel é a cara do atraso imediatista do futebol brasileiro

"Não me preocupo com emprego. Ganhei dois títulos em 11 meses. Caso a demissão ocorra, não fico uma semana parado e já estarei trabalhando"

O trecho acima foi um dos tantos que causou polêmica na penúltima entrevista de Argel Fucks como técnico do Internacional, sexta passada, dois dias antes de perder para o Santa Cruz em Recife. A declaração pegou mal por passar a impressão de descompromisso de Argel com o Colorado. Mas ela ganhou um significado muito além disso ontem, quando o técnico, 24 horas depois de ser demitido do Inter, acertou seu retorno para o Figueirense - por sinal, o mesmo clube em que ele estava quando acertou com o Inter, em agosto do ano passado..

Argel volta ao clube que treinava quando acertou com o Inter
Argel foi arrogante ao dizer o que disse, mas ao mesmo tempo parece ter se subestimado: em vez de levar uma semana para já estar empregado de novo, acertou novo contrato no dia seguinte. Essa situação toda representa uma das várias caras do atraso no futebol brasileiro: o técnico prepotente e acomodado, que encobre um trabalho medíocre citando conquistas pequenas e que, mais do que isso, sabe que já entrou no clubinho dos que participam da eterna dança das cadeiras das Séries A e B.

No ano passado, ficou nítido que os melhores times do país eram treinados por nomes de uma nova safra de treinadores ou de comandantes mais antigos que haviam se reciclado. A questão que fica é: o quanto Argel foi capaz de se reciclar nestas 24 horas? Ou será que sua falta de autocrítica chegou a níveis tão extremos que ele acha que não precisa repensar alguns de seus métodos? O desempenho do Internacional nestes 11 meses, salvo um breve período entre o fim do Gauchão e o começo do Brasileiro, jamais convenceu ninguém. Será que ele se satisfez com os medianos resultados obtidos? Ou será que acha, realmente, que um time que cruza quase 40 bolas por jogo pratica um futebol aceitável?

Argel é imediatista, mas não é culpa só dele. O futebol brasileiro é imediatista por cultura. Apenas quatro dos 20 treinadores da primeira divisão atual estão em seus clubes desde o ano passado. Em 2015, só o Corinthians (campeoníssimo) não demitiu seu técnico em meio à competição. Cansa citar esse tipo de dado, mas é algo tão banal que não se pode, simplesmente, ignorar. Argel vem repetindo o que nomes como Adílson Batista, Joel Santana e Celso Roth cansaram de fazer em tempos não tão distantes: emenda um trabalho no outro, em vez de buscar se afastar por um tempo para refletir sobre no que pode melhorar. Ninguém evolui saindo de um clube para o outro em apenas 24 horas.

Vale lembrar que o Internacional, claro, foi imediatista também. Falávamos semana passada que a hora de demitir Argel não era agora: era ou no começo deste ano ou daqui a alguns meses, em dezembro. Porque os resultados obtidos por ele, no fim das contas, não foram ruins: recuperou um time despedaçado no ano passado, ganhou um estadual e deixou um elenco médio numa posição média do Brasileirão 2016.

Em termos de resultados, Argel tirou aquilo que a equipe podia dar. Em termos de desempenho, porém, nunca conseguiu. Mas gestões atrasadas jamais analisam o desempenho, ou o colocam sempre em segundo plano, priorizando o resultado. Como a queda recente foi forte demais, Argel caiu. E, mais uma vez, o Internacional especula uma série de nomes abertamente, para fechar com o quinto ou sexto da lista. É difícil chegar a campanhas consistentes desta forma.

Foto: Figueirense/Divulgação.

Comentários

Anônimo disse…
Acho que treinadores como o Argel acabam tendo mercado também porque o calendário estimula o perfil de treinador "bombeiro", que "troca o pneu com o carro andando". Pelo excesso de jogos e na falta de tempo para treinar, qualquer um que traga resposta rápida acaba tendo espaço. Fora a cultura imediatista dos clubes, claro.
Vicente Fonseca disse…
Muito bem apontado. Provavelmente a diminuição do número de jogos vá reduzir esse imediatismo - embora, por outro lado, os trabalhos tendam a ser mais severamente analisados, já que acabará a desculpa do "não tive tempo pra treinar, é sempre quarta e domingo". Alteraria toda a nossa percepção sobre o rendimento das equipes - e para melhor, na minha opinião.