Apesar dos lampejos do 2º tempo, o Brasil terá muito trabalho até virar realmente um time

Sumido no primeiro tempo, Lucas Lima cresceu no segundo sem seu parceiro de clube
O Brasil não jogou bem, no conjunto da obra talvez merecesse perder para a desfalcada Argentina. Porém, por mais contraditório que seja, o jogo de ontem no Monumental de Núñez deu pistas de como a equipe de Dunga deve se portar em campo. Quando o time engessado e acanhado do primeiro tempo deu lugar a uma equipe mais leve, solta e insinuante a partir da entrada de Douglas Costa, a Seleção chegou ao empate e poderia até ter vencido a partida, o que seria uma injustiça pelo conjunto da obra. Mas ainda há muito a evoluir.

A Argentina foi aquilo que previmos na quinta-feira, quando o clássico era para ter ocorrido: um time robusto por seus três volantes, mas que, ao mesmo tempo, faria uma forte marcação-pressão nos primeiros 20 minutos. O Brasil é que entrou mais acanhado do que se esperava: quando projetamos o jogo, pensávamos num time com Neymar centralizado, como um falso nove, com Willian e Douglas Costa dando à equipe um contragolpe perigoso e insinuante. Mas não: Dunga escalou Ricardo Oliveira, que sempre esteve fora do contexto do jogo. Fora de casa, contra a Argentina, seria preciso velocidade, e não um centroavante postado, ainda mais num time com mecânica coletiva muito pobre, como este Brasil.

Os argentinos, ao contrário, nem pareciam desfalcados de Messi e Agüero. Di María assumiu o protagonismo. Ele foi a cara do primeiro tempo: enquanto Neymar, Willian, Ricardo Oliveira, Elias e Lucas Lima mal trocavam de lugar, engessados em um sistema de jogo engessante, Fideo saía da ponta direita frequentemente para armar jogo junto aos volantes - o gol surgiu num lance assim. Os centroavantes Lavezzi e Higuaín também se alternavam entre uma ponta e o comando do ataque, confundindo a marcação brasileira. Contando com o apoio dos volantes Biglia e Banega na criação, os argentinos se aproveitaram da timidez de movimentação brasileira e dominaram o primeiro tempo por terem uma dinâmica de jogo muito maior. Nada de excepcional, apenas o básico.


No lance do gol argentino, a inversão de posição dos atacantes: Di María recebe como ponta direita (primeira imagem), traz para o meio, arma para Higuaín virar atacante de flanco (segunda imagem) e surge como meia centralizado para pegar um eventual rebote (terceira imagem). Note o erro da marcação: quatro vão em cima de Di María na segunda imagem, e ninguém marca Lavezzi na área na terceira. David Luiz só acompanha a bola
O incrível é como Dunga demorou a perceber tudo isso. Foi preciso que a Argentina continuasse melhor no começo do segundo tempo para o técnico brasileiro fazer o que devia ter feito antes de a bola rolar: colocar Douglas Costa na equipe para melhorar a dinâmica de frente, aos 11 minutos. Coincidência ou não, bastou o ponta do Bayern entrar para o empate surgir num lance onde todos se mexeram muito bem: Neymar trouxe consigo a marcação ao voltar para armar a jogada como meia, Daniel Alves subiu como ponta (básico para qualquer lateral há 30 anos, mas não havia acontecido em nenhum momento da noite), Douglas Costa saiu da ponta para o meio (algo que Neymar não fez no primeiro tempo), cabeceou sozinho, e Lucas Lima, também desmarcado, finalizou com categoria no rebote.

Esta dinâmica toda não parece ter sido orientação tática de Dunga, mas um improviso do talento dos atletas. Algo no mínimo curioso: falta ao Brasil, mais do que qualidade técnica, qualidade coletiva. Mas foi na base do talento individual que os jogadores em campo perceberam justamente isso: se soltaram, e o time todo melhorou. O Elias da etapa final foi o melhor Elias que a Seleção já viu, se desprendendo da cabeça de área como no Corinthians, alternando de posição com Lucas Lima (e posteriormente Renato Augusto). O Brasil passou a ganhar rebotes ofensivos, acossar a Argentina, levar pânico ao Monumental de Núñez em alguns momentos e até chegar perto da vitória, que seria injusta pelo contexto dos 90 minutos.

Na origem do gol de empate, Neymar busca bola como volante. Mesmo compactada, a Argentina descuida dos lados, onde Daniel Alves surgirá livre pela direita e Douglas Costa pela esquerda. Elias, projetado como centroavante na hora do cruzamento, puxa a marcação, junto com Neymar, e deixa Douglas livre para cabecear no travessão, antes de Lucas Lima pegar o rebote. Movimentação confundiu a Argentina
O melhor Brasil atual, pela qualidade individual dos atletas, é este do segundo tempo (com o absurdamente renegado Philippe Coutinho no lugar de Lucas Lima): um time leve, até baixo, mas de intensa movimentação, com jogadores que atuam em equipes modernas da Europa e, por sua postura agressiva, conseguem pressionar a saída de bola rival mesmo sem ter um porte físico avantajado. A esperança é que Dunga tenha percebido isso. A diferença de nível dos primeiros 60 para os 20 minutos seguintes (os dez finais foram de pressão argentina no abafa) foi gritante.

Mas atenção: o bom futebol daquele curto período de jogo não significa que Douglas Costa, Elias, Lucas Lima, Neymar e Willian estejam perto de formar um time. Ao contrário: como foram apenas lampejos, ficou claro ontem que o Brasil carece de repetição, de coletividade. A falta de saída de bola no primeiro tempo foi absolutamente constrangedora e preocupante. Foi causada pela imobilidade do time, parcialmente corrigida com a entrada de Douglas Costa na etapa final. Nada disso é culpa de Ricardo Oliveira, o sacado da vez antes da melhora: é culpa de um treinador que ainda está perdido, embora esteja no cargo há mais de um ano e estejamos na 3ª rodada das eliminatórias.

O resultado, porém, foi ótimo, muito melhor do que a atuação. O empate em Buenos Aires é algo que pouca gente vai conseguir (embora o Equador tenha vencido, claro) nesta eliminatória, e tirar pontos de concorrentes diretos fora de casa num torneio tão parelho é algo sempre importante. O Brasil está dois pontos à frente da cada vez mais pressionada Argentina e pode ampliar esta diferença terça, já que receberá o Peru, enquanto os rivais visitam a forte Colômbia. Mesmo com um time visivelmente em formação, estaria por enquanto na repescagem. É o lado positivo de uma constatação obrigatória: ainda há muito trabalho para tornar a Seleção verdadeiramente num time, no sentido estrito do termo.

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Ficha técnica
Eliminatórias da Copa do Mundo 2018 - América do Sul - 3ª rodada
13/novembro/2015
ARGENTINA 1 x BRASIL 1
Local: Monumental de Núñez, Buenos Aires (ARG)
Árbitro: Antonio Arias (PAR)
Público: 50.000
Gols: Lavezzi 33 do 1º; Lucas Lima 12 do 2º
Cartão amarelo: Otamendi, Roncaglia, Mascherano, Filipe Luís, Lucas Lima e David Luiz
Expulsão: David Luiz 42 do 2º
ARGENTINA: Romero (5,5), Roncaglia (5,5), Otamendi (6), Funes Mori (5,5) e Rojo (5,5); Mascherano (6), Biglia (6) e Banega (6,5) (Lamela, 35 do 2º - sem nota); Di María (7), Higuaín (6) (Dybala, 35 do 2º - sem nota) e Lavezzi (6,5) (Gaitán, 24 do 2º - 5). Técnico: Gerardo Martino
BRASIL: Alisson (6), Daniel Alves (6), Miranda (6), David Luiz (4) e Filipe Luís (5); Luiz Gustavo (5,5), Elias (6) e Lucas Lima (6) (Renato Augusto, 17 do 2º - 5,5); Willian (6) (Gil, 44 do 2º - sem nota), Ricardo Oliveira (4,5) (Douglas Costa, 11 do 2º - 6,5) e Neymar (6). Técnico: Dunga

Foto: Rafael Ribeiro/CBF.

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