A falta de ambição tirou do Inter uma chance de ouro de se aproximar do G-4 do Brasileirão

O Internacional goleou o Vasco no meio de semana porque se soube se aproveitar das fragilidades do seu adversário. Isso não é um demérito, ao contrário: num campeonato longo e difícil, ser "oportunista", no bom sentido, é fundamental. Mas a ousadia que sobrou na quarta-feira faltou ontem. Porque o São Paulo que jogou ontem no Morumbi não era o seu forte time completo, longe disso: com nada menos que 12 desfalques (entre eles quatro zagueiros, Luís Fabiano e Alexandre Pato), era um adversário muito enfraquecido. Era hora da equipe de Argel aproveitar para propor o jogo, vencer finalmente alguém fora de casa, encostar no Tricolor Paulista e embalar no campeonato. Seguir sendo "oportunista", em suma. Mas nada disso aconteceu.

"O São Paulo com reservas parecia que estava completo, e o Inter completo parecia um time reserva", resumiu muito bem o comentarista Wagner Vilaron, do Sportv, após a partida. Argel passou os últimos três dias falando em vencer no Morumbi, um discurso correto, mas que não se verificou na prática. Diante de uma equipe tão jovem, era a hora de o Inter se impor, controlar o jogo, e não se limitar a esperar um contra-ataque para matar o jogo diante de um adversário tão desentrosado e fragilizado. Faltou coragem e ambição ao Colorado para sair da zona de conforto de esperar o rival para contra-atacar, estratégia que, aliás, ficou prejudicada pela ausência de laterais rápidos, volantes que subam ao ataque como elemento surpresa e, principalmente, do veloz Vitinho, já que Lisandro López não tem essa característica.

O oportunista da vez foi o São Paulo, que, por sinal, esteve fragilizado apenas na teoria. O fato de o Colorado não oferecer riscos trouxe confiança aos reservas, que patrolaram os gaúchos no segundo tempo, com direito a uma constrangedora linha de passe dentro da área no lance do segundo gol (ver quadro no fim do texto) e um longo "olé" nos minutos finais. A estreia de Rogério, apelidado de "Neymar do Nordeste", era aguardada com ansiedade, e ele superou as melhores expectativas. Com muita velocidade e habilidade na ponta esquerda, infernizou a vida dos marcadores a noite toda e marcou um gol de peixinho no qual mostrou intimidade com as redes. Guisao, pela direita, deu igualmente muito trabalho, bem como Centurión, inteligente para fazer a parede, embora não seja um homem de referência. Lá atrás, o jovem Lyanco não comprometeu, ao contrário: nas raras vezes em que Édson Silva falhou, foi ele quem corrigiu.

Osorio ousou a escalar esse time tão jovem num 4-3-3 à moda antiga, com apenas Hudson na contenção e Ganso e Michel Bastos como meias. Era dever do Inter se impor no meio e propor o jogo, mas isso nunca aconteceu. As únicas duas chances de gol foram balões para a frente, um aos 7, procurando Lisandro, outro aos 37, buscando Valdívia. A bola nunca passou pela articulação, com D'Alessandro e Eduardo Sasha fazendo partidas completamente nulas. No primeiro tempo, este aspecto da equipe rubra já era muito pobre. No segundo, que começou com o gol de Rogério, sumiu de vez. Não houve qualquer poder de reação da equipe de Argel, que aceitou passivamente o resultado, mesmo quando este era de apenas 1 a 0.

É preciso destacar que, mesmo melhor já na etapa inicial, o São Paulo só passou a mandar de vez no jogo no segundo tempo porque Ganso "entrou" na partida. Com espaço para articular, o camisa 10 participou da jogada dos dois gols de sua equipe. Quando ele joga o que sabe, o que não tem sido comum nos últimos cinco anos, tudo fica mais fácil. O time gaúcho não conseguiu controlá-lo. O regularíssimo Rodrigo Dourado (envolvido no lance do primeiro gol, em uma de suas piores partidas na temporada) e Nilton jamais o encontraram durante o segundo tempo.

Mas nada justifica a falta de ambição do Inter ontem à noite. Como Argel chegou há pouco tempo, é difícil dizer se a postura covarde seu time ontem seja uma ideia sua ou um cacoete desta equipe - afinal, o discurso no Beira-Rio, há anos, é sempre o de que o empate longe do Beira-Rio é bom resultado. Argel se esgoelou à beira do campo durante os 90 minutos, algo que mais atrapalha do que ajuda, inclusive, pois tira a naturalidade de quem tenta propor algo criativo e diferente dentro de campo. A gritaria exagerada, porém, talvez tenha se dado pelo desespero de ver seu time deixando escapar uma chance de ouro: a de vencer um concorrente direto fora de Porto Alegre e entrar de vez na briga por uma vaga à Libertadores do ano que vem. Com 31 pontos, a distância até o G-4 pode subir a oito pontos hoje. Cada vez mais, a Copa do Brasil é a chance possível de não terminar mais uma temporada apenas com o Gauchão.

Os erros da defesa colorada no segundo gol do São Paulo
Muriel não foi o único, nem talvez o principal culpado pelo segundo gol do São Paulo. No início da jogada, notem Guisao completamente livre pela esquerda, já que todos marcam somente a bola. A defesa está toda desarrumada: Dourado é o lateral esquerdo, Ernando e Artur são os zagueiros e Paulão é volante (Nilton, embaixo na imagem, só olha tudo)
Guisado dribla Ernando. Artur (à esquerda da imagem), que era zagueiro, fica olhando de longe a jogada, ao lado do árbitro. Todos seguem marcando a bola e deixam Ganso completamente livre do outro lado da área
Ganso recebe sozinho. Cinco jogadores do Inter seguem marcando a bola (Nilton, embaixo da imagem, nem isso) e deixam Michel Bastos completamente livre, na entrada da área, com tempo para dominar, ajeitar e arrematar de frente. Muriel até poderia ter feito a defesa, mas possibilitar um chute daquela distância é culpa primária da marcação

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