Tudo perde a importância e tudo pode mudar quando um Gre-Nal termina em 5 a 0
Na verdade, a rodada perfeita virou um detalhe quase esquecido diante da imensidão do fato de ontem. Placares de 5 a 0 em Gre-Nais relativizam mesmo a importância de tudo. Há muitos dados que levam este jogo de ontem direto para a história: é a maior goleada da história da Arena, a maior sofrida pelo Inter na história do Brasileirão, a primeira acima de quatro gols de diferença em Gre-Nais desde 1948, a primeira do Grêmio por tamanha diferença sobre o rival desde 1912, a maior do campeonato de 2015, e por aí vai. O resultado não se repete a toda hora. Ou melhor: não se repete quase nunca. As últimas três gerações nunca viram, e talvez nunca mais vejam, nada parecido.
Os méritos do Grêmio são indesmentíveis, mas a goleada tem a marca da bagunça que é o Internacional. Claro, o Tricolor levava para o clássico certo favoritismo: jogava em casa, é um time mais organizado e vem melhor na competição. Mas também há algum tempo vinha oscilando. Deveria vencer, pela lógica, mas por diferença mínima ou algo do tipo. Jamais por 5 a 0, e um 5 a 0 que não foi fortuito, injusto ou absurdo pelo que se viu em campo. Saiu barato diante da superioridade azul: houve várias chances claras, entre elas um pênalti perdido, fora o olé e o baile todo.
Mas uma goleada deste tamanho nunca se explica só pelos méritos de quem venceu: passa muito também por quem foi derrotado. Em clássico, então, onde isso é ainda mais raro, normalmente o resultado elástico deriva do perdedor. E é inegável: o Inter chegou esfacelado para o Gre-Nal. Vitório Piffero, embora de nada adiante, assumiu após o fiasco a responsabilidade pela infeliz ideia de demitir Diego Aguirre três dias antes de enfrentar um Grêmio nitidamente mais sólido. Só que a demissão em si foi só, talvez, o empurrãozinho que faltava para a queda no precipício. Como mandar embora um treinador cujos jogadores gostavam pode ajudar a motivar, a mobilizar um grupo? A direção rubra deu uma aula de incompetência antes desse Gre-Nal.
Mas, para além da esdrúxula queda de Aguirre, contexto todo era amplamente desfavorável ao Inter, mais do que propriamente auspicioso ao Grêmio. O Colorado vinha ainda de luto por uma eliminação dolorosa na Libertadores, passava por um desmanche e não contava com D'Alessandro, líder técnico e espiritual do elenco. Odair Hellmann, sabendo de tudo isso, entrou com uma postura respeitosa, mandando a campo três volantes. O começo, talvez os cinco primeiros minutos, não foram tão ruins: com Valdívia, Sasha, Lisandro e Anderson, o time rubro tentava marcar a saída de bola com força, buscando pegar o rival de calça curta. Mas isso durou pouco tempo.
Alex entrou na vaga de Anderson, mas o plano de Hellmann foi por água abaixo quando Luan marcou o terceiro logo aos três minutos. O interino, então, assumiu de vez o quão minúsculo era o Inter desde 9 de agosto de 2015: retirou Lisandro López aos 10 minutos, colocando o volante Nílton em seu lugar. Fazia sentido, friamente pensando: se empatar era impossível, o certo era evitar um desastre. Só que nem isso deu certo.
É preciso que se diga que, mesmo que o Internacional tenha "feito força" para levar esse 5 a 0, o Grêmio tem indesmentíveis méritos também. A superioridade durou os 90 minutos: os gols surgiram espaçados um do outro, o que sugere isso claramente. E os jogadores na saída de campo lembraram bem: desta vez, as chances criadas foram convertidas. Se é fato que o Tricolor vinha há três jogos sem vencer, também é verdade que em muitos dos últimos jogos o time de Roger Machado merecia melhor sorte, pelo que jogou - Criciúma (em casa), Sport e Fluminense, por exemplo.
Desta vez, além da "tarde não" do Inter, o Grêmio viveu sua "tarde sim". Não há uma atuação que se possa reparar, nem Douglas, que apesar do pênalti perdido fez ótima partida. Giuliano e Luan foram, claro, os melhores. Formam uma das duplas mais afinadas do futebol brasileiro da atualidade e são dois dos principais jogadores do campeonato. Mas Erazo, Edinho, Maicon, Pedro Rocha, Fernandinho, Marcelo Oliveira, Galhardo, Geromel... Todos foram muito bem. Mesmo Douglas, com o pênalti perdido, fez um ótimo jogo.
No caso do Inter, claro, a situação é muito, mas muito séria. Perder clássico por 5 a 0 é coisa de acontece de cinquentenário em cinquentenário, um resultado muito pesado, destrutivo, que justifica uma terra-arrasada, até. O fiasco no Gre-Nal 407, somado à eliminação na competição prioritária do ano, a um desmanche, à falta de técnico, cria no Beira-Rio uma crise de enormes proporções. A atuação e o resultado de ontem na Arena são passíveis de queda na direção, no futebol e inclusive no elenco - uma lista de dispensas não pode ser desconsiderada, a começar por nomes caros que tiveram mais uma tarde patética entre tantas no ano, como Anderson e Réver. Lisandro López, dizem, pode ser o primeiro a sair.
Em termos históricos, o resultado de ontem talvez coloque um fim definitivo numa era de ouro vermelha que, poucos se deram conta, acabou em Abu Dhabi, em dezembro de 2010. A falta de títulos do Grêmio e o pentacampeonato gaúcho dão impressão contrária, mas o fato é que o Inter imbatível do começo do milênio não existe mais há pelo menos cinco anos. De lá para cá, além dos estaduais, o Colorado ganhou a simbólica Recopa, apenas. Chegou menos vezes no G-4 que o rival e em 2013 perigou ser rebaixado. O nosso ranking, um modesto indicativo de momento dos clubes brasileiros nos últimos cinco anos, já aponta isso.
A mudança de patamar já aconteceu. A gestão do futebol rubro, há tempos, deixou de ser modelo. Os gastos excessivos deste início de ano, que mesmo com Libertadores deveria ter sido de contenção de despesas, deixam isso claro. Investir milhões e querer sustentar a folha mais cara do país sem condições para isso é o que de mais antigo e irresponsável o futebol brasileiro faz. A demissão de Diego Aguirre foi uma atitude tão amadora quanto. E o contraste com o Grêmio, que, é verdade, segue pagando até hoje com uma terrível e interminável seca de títulos os erros deste tipo no passado, é evidente: ao fazer contenção financeira, Romildo Bolzan Jr. acertou em cheio ao adotar um modelo sustentável para o Tricolor. Mas isso em longo prazo: ninguém esperava que uma goleada dessas viesse justamente no ano em que o corte ocorre de forma mais profunda.
O problema é trocar o pneu com o carro andando. Ou melhor: trocar o pneu, as rodas, o motor e o chassi todo, sendo que a viagem já chegou à metade. O futuro já não era animador, mas convenhamos: levar uma goleada dessas num clássico não é exatamente o que mais atrai um técnico de ponta a aceitar o desafio de um novo emprego.
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Obrigado, meu querido!