Quando vai chegar a hora do "vai ou racha" para o México na Conmebol?

Estive no México em novembro do ano passado. Nada melhor do que visitar um país para saber ao menos um pouco do que pensam as suas pessoas. Naquela época, os debates esportivos na televisão respiravam o amistoso contra a Holanda, em Amsterdã, tido como uma espécie de revanche pela traumática eliminação ocorrida quatro meses antes, na Copa do Mundo, em Fortaleza. E, em meio ao debate pré-jogo (que os mexicanos venceriam por 3 a 2), uma questão surgiu à mesa e foi tratada como uma quase unanimidade entre os jornalistas presentes: a de que está na hora de o México fazer como a Austrália, ou seja, largar de mão a Concacaf e se filiar de vez à Conmebol.

Há 22 anos os mexicanos vivem num limbo: disputam as competições sul-americanas como convidados, mas não podem obter classificações a torneios mundiais se as conquistarem. Existem fortes razões econômicas por trás da manobra, é claro. Mas, esportivamente, trata-se de uma aberração, a qual não cai no agrado nem mesmo dos nossos simpáticos vizinhos da América do Norte. O México não envia seu campeão para a Libertadores (este disputa a Liga dos Campeões da Concacaf, pois só ela é que dará ao país uma vaga no Mundial), mas o líder e vice-líder da primeira fase de seu campeonato nacional, os quais, na maioria das vezes, jogam a competição desinteressados - embora haja honrosas exceções, claro. Na Copa América, depois de dois vice-campeonatos, a prática começa a se repetir. Em 2011, os mexicanos foram os únicos que perderam os três jogos da fase de grupos, atuando com uma equipe totalmente reserva no torneio.

Na edição de 2015, a situação é a mesma de quatro anos. Com a Copa Ouro (equivalente à Copa América na Concacaf) a ser disputada em julho, o técnico Miguel Herrera optou por levar um time repleto de suplentes para a nossa competição continental, quase que exclusivamente formado por jogadores que atuam no próprio país. E o pior: é impossível condenar a atitude do treinador. Tudo por causa do famigerado "café com leite", o "ganha mas não leva" eterno do México nas competições da Conmebol. Além da não-obtenção de vaga para torneios mundiais em caso de conquista das competições sul-americanas (incluindo os de seleções), o caso da Libertadores vai além nas restrições: nem a decidir a final da competição em casa os mexicanos têm direito. O erro, portanto, está, mais uma vez, em sobrepujar interesses econômicos aos esportivos. É isso que cria esta aberração competitiva - quem aqui recorda do Japão jogando a Copa América de 1999?

O que Miguel Herrera está fazendo é o correto em termos de planejamento de trabalho, utilizando a Copa América do modo como ela deve ser tratada: um torneio menor, preparatório, no qual ele poderá apenas observar jogadores para o que realmente importa, que é a Copa Ouro. Ela sim interessa de verdade, pois é a que pode levar a seleção nacional para a Copa das Confederações. Antes de apontar o dedo e condenar o país por isso, é bom lembrar que o Brasil fez o mesmo em 1996: levou um time sub-23 à Copa Ouro, pois também atuou nela como convidado - vocês lembram? Pois é.

No México, é cada vez mais forte a corrente que defende a inclusão definitiva do país na Conmebol. O motivo é, como citamos, semelhante ao que levou a Austrália à Ásia: com concorrentes mais fortes, a tendência é de que o país se prepare melhor, enfrente um nível de exigência que desenvolva ainda mais seu futebol - o povo asteca é apaixonado pelo esporte, e com 122 milhões de habitantes poderia mesmo ter uma seleção mais forte. Quem é contrário tem lá suas boas razões também, entre elas, principalmente, a de que o México terá mais dificuldades de chegar à Copa do Mundo jogando pela América do Sul, enquanto na Concacaf a classificação é quase certa. A discussão é rica, apaixonante, mas, embora diga respeito muito mais aos que se envolvem diretamente com o crescimento do futebol mexicano, precisa ser estendida aos demais países de toda a América, pois vem afetando competições nos dois continentes há mais de duas décadas.
Time reserva do México atua no mesmo esquema do titular: o 5-3-2/3-5-2 que quase tirou a Holanda da Copa do Mundo no ano passado
Seja qual for a decisão tomada, o fato é que ela precisa vir logo, pois não dá mais para tolerar situações como a de ontem, no histórico Estádio Sausalito, de Viña del Mar. Além de reserva, o México enfrentou a Bolívia com uma aparente má vontade ou, no mínimo, com o freio de mão puxado. Algo estranho para um time que deveria lutar por mais, já que todos ali buscam um lugar na seleção principal. Mesmo visivelmente superior tecnicamente em relação aos bolivianos, o time de Miguel Herrera jogou com uma preguiça irritante. O lerdo 0 a 0 se arrastou pela fria noite do litoral chileno, na partida que será, provavelmente, a mais chata e tecnicamente pobre de toda a Copa América. A Bolívia, humilde, fez o que pôde. O México, ao contrário, cumpriu tabela com um desinteresse constrangedor, que não é bom para ninguém: para o torneio, para quem foi ao estádio e, principalmente, para ele próprio, que vive numa espécie de crise de identidade há 22 anos.

Comentários

Franke disse…
Belo texto. Não conhecia as dimensões dessa moçoroca.
Vicente Fonseca disse…
Gracias, meu caro. Que bom que serviu pra elucidar melhor a questão.
Sancho disse…
Atualmente, no meu entender, o problema é a CFU: a União Caribenha de Futebol. Ela deveria tornar-se a Confederação de Futebol do Caribe (CFC).

Não é só o México que deveria entrar na Conmebol, mas os países da UnCAF (União Centro-Americana de Futebol), mais Estados Unidos e Canadá.

A nova confederação teria 20 membros, 7 vagas para a Copa do Mundo (das atuais 8, 1 iria para a CFC). Bah! Já até tenho tudo na cabeça: Libertadores, Copa América, Eliminatórias...
Vicente Fonseca disse…
Excelente, Sancho.

Sobre a Copa América, defendo desde que me conheço por gente a inclusão de Guiana e Suriname, por questões geográficas. :)