O Nacional é campeão uruguaio numa final inesquecível. E que ainda não acabou
A entrada de uma ambulância em campo aos 8 minutos do segundo tempo da prorrogação encerrou de forma inusitada uma final espetacular entre os ultrarrivais Nacional e Peñarol, no jogo que definiu o campeão uruguaio de 2014/15. Mas definiu mesmo?
O regulamento do Campeonato Uruguaio é um tanto confuso. Ontem, somente o Nacional poderia ser campeão no Estádio Centenario. Campeão do Torneio Apertura, o Bolso enfrentou seu maior inimigo, campeão do Clausura, em um jogo único, numa espécie de semifinal. O vencedor deste jogo se classificaria para a final, em dois jogos, a qual seria disputada contra o time de melhor pontuação na soma do Apertura e do Clausura. No caso, o Nacional é que foi o time que mais pontos somou ao longo do ano. Então, como não poderia enfrentar a si próprio na decisão, o Bolso entrava na disputa com duas chances de título: ganhando a semifinal do Peñarol ou, em caso de perdê-la, se ganhasse a final.
Pois o Tricolor não quis saber de segunda chance. Dominou o primeiro tempo todo e abriu 2 a 0, com gols de Fernández e Iván Alonso, este cobrando pênalti. Mas o Peñarol reagiu: descontou num golaço de falta de Aguiar aos 24 da etapa final, pressionou e chegou ao dramático empate nos acréscimos, em um pênalti batido pelo mesmo Aguiar. O empate obrigava a realização de uma prorrogação. E, mesmo com toda a emoção do fantástico tempo normal, foi nela que a confusão toda se estabeleceu.
Aos 3 minutos do segundo tempo, o zagueiro Romero fez 3 a 2, deixando o Nacional muito perto do título. A torcida do Peñarol explodiu em fúria minutos depois, quando o árbitro Javier Bentancour deu mais um pênalti para o Bolso: foram 12 minutos de paralisação, com torcedores depredando o histórico Estádio Centenário. Da tribuna Amsterdam, carboneros atiravam pedras e outros objetos na ambulância atrás da goleira onde Recoba havia batido (e perdido) o terceiro pênalti da tarde. Quando o veículo entrou em campo, para evitar ser destruído pelos objetos, Bentancour suspendeu o jogo. Foi a gota d'água.
O Nacional é o campeão? Oficialmente ainda não, mas, na prática, sim - a festa ao final do jogo é um sinal claro disso. Como os incidentes que paralisaram o jogo vieram principalmente da torcida do Peñarol, nem mesmo o caso de a partida ir parar nos tribunais deve evitar uma derrota jurídica da equipe carbonera. Além disso, qualquer partida que for encerrada faltando menos de 30 minutos para o seu término, seja por falta de energia elétrica, segurança ou outro motivo alheio a questões esportivas, pode ter seu resultado parcial de campo homologado. Quem lembra da campanha do Grêmio na Libertadores de 2007 vai se recordar de um episódio parecido: na estreia da equipe gaúcha na competição, em Assunção, a torcida do Cerro Porteño passou a atirar objetos no gramado, forçando o árbitro Hector Baldassi a encerrar o jogo dois minutos antes do fim. O resultado de 1 a 0, ocorrido dentro de campo, foi confirmado pela Conmebol. Mais provável que a realização dos sete minutos que faltam é uma punição forte ao Peñarol e sua torcida pelos incidentes.
A violência acabou manchando um clássico espetacular, mas em nada diminui o merecido título do Nacional. No Torneio Apertura, a equipe de La Blanquaeda venceu nada menos que 14 dos 15 jogos que disputou, incluindo aí uma virada espetacular sobre o Peñarol nos últimos minutos do clássico no Centenario. Foram 42 pontos, que representam impressionantes 93,3% de aproveitamento - dez pontos a mais que o Racing, vice-líder. No Clausura, a equipe chegou a disputar as primeiras posições até a 11ª rodada, quando empatou com o Peñarol e viu ali que não teria chances de título antecipado, tirando o pé na disputa. Ainda assim, e mesmo com um modesto 9º lugar, manteve uma confortável vantagem de seis pontos para o rival na tabela geral, o que lhe deu a vantagem de ser campeão hoje. Ou nos tribunais.
Comentários
O campeonato é disputado em dois turnos: um finalista sai do jogo entre o campeões de cada turno; e o outro sai da soma total de pontos entre os dois turnos. Se o mesmo time conseguir ambas as vagas, é campeão.
Ficaria mais simples, se a AUF promovesse a distinção. Por exemplo, poderia dar a "Copa José Nasazzi" para um e a "Copa Obdulio Varela" para o outro.
Digo confuso porque ontem tivemos uma espécie de final onde só um poderia ser campeão (semifinal, na verdade, mas com jeito de final). Outra coisa que confunde é o fato de a semifinal ser em jogo único, e a decisão em si ter ida e volta. Mas concordo, em tese a regra é simples. Mas para quem não está familiarizado pode soar complicada.
Eu acho que a confusão começa na AUF, que não entende o próprio torneio. Como eu disse, ela poderia fazer com que a final do campeonato fosse sempre "Nasazzi x Varela".
Ontem, por exemplo, poderia ter sido simplesmente a final da "Copa Jose Nasazzi", disputada entre o campeão do Apertura e o campeão do Clausura. Aquilo que estaria em jogo seria a "Nasazzi".
O Nacional, como campeão da "Copa Obdulio Varela", já teria uma vaga na final. Assim, ganhando a "Nasazzi", levaria as duas vagas, e já seria campeão uruguaio.
A AUF, porém, resolve chamar de primeira final, mas só um pode ser campeão. Aí, numa eventual segunda final, ninguém pode; mas, na terceira, os dois podem. Não é à toa que acham confuso!
Digo mais, quando um time ganha a Tabla Anual, mas nenhum dos torneios curtos, a AUF desvaloriza o jogo entre o campeão do Apertura e do Clausura ao tratar como semifinal. A partida teria mais apelo se ficasse claro o fato de ser uma final cuja vitória é equivalente ao primeiro lugar da Tabla Anual.
2014/2015
Apertura: Nacional
Clausura: Peñarol
Nasazzi: Nacional
Varela: Nacional
Campeonato: Nacional
2013/2014
Apertura: Danubio
Clausura: Wanderers
Nasazzi: Danubio
Varela: Wanderers
Campeonato: Danubio
2012/2013
Apertura: Peñarol
Clausura: Defensor
Nasazzi: Peñarol
Varela: Peñarol
Campeonato: Peñarol
2011/2012
Apertura: Nacional
Clausura: Defensor
Nasazzi: Nacional
Varela: Nacional
Campeonato: Nacional
2010/2011
Apertura: Defensor
Clausura: Nacional
Nasazzi: Nacional
Varela: Nacional
Campeonato: Nacional
2009/2010
Apertura: Nacional
Clausura: Peñarol
Nasazzi: Nacional
Varela: Peñarol
Campeonato: Peñarol
2008/2009
Apertura: Nacional
Clausura: Defensor
Nasazzi: Nacional
Varela: Defensor
Campeonato: Nacional
2007/2008
Apertura: Defensor
Clausura: Peñarol
Nasazzi: Defensor
Varela: Defensor
Campeonato: Defensor
2006/2007
Apertura: Danubio
Clausura: Danubio
Nasazzi: Danubio
Varela: Danubio
Campeonato: Danubio
2005/2006
Apertura: Rocha
Clausura: Nacional
Nasazzi: Nacional
Varela: Nacional
Campeonato: Nacional
Aliás, visto assim, aparecem detalhes interessantes. Por exemplo, as dificuldades do Peñarol são confirmadas, mas a superioridade do Nacional não se mostra tão grande quanto o número de campeonatos conquistados parece apontar.
O Nacional é bom mesmo em finais. Em pontos corridos, o futebol uruguaio é mais equilibrado do que se pensa.
Campeonatos:
Nacional - 5
Peñarol - 2
Danubio - 2
Defensor - 1
Copas (Nasazzi/Varela):
Nacional - 10 (6/4)
Peñarol - 3 (1/2)
Danubio - 3 (2/1)
Defensor - 3 (1/2)
Wanderers - 1 (0/1)
Torneios (Apertura/Clausura):
Nacional - 6 (4/2)
Defensor - 5 (2/3)
Peñarol - 4 (1/3)
Danubio - 3 (2/1)
Wanderers - 1 (0/1)
Rocha - 1 (1/0)
Apenas em 2006/2007, um mesmo time, Danubio, levou tudo. Nas demais, sempre houve a final da Nasazzi.
Em seis temporadas, o campeão da Varela venceu a final da Nasazzi: Nacional, 4 (05/06, 10/11, 11/12, 14/15); Peñarol, 1 (12/13); e Defensor, 1 (07/08).
O Campeão da Nasazzi só NÃO foi campeão uruguaio em uma temporada: Nacional, em 2009/2010.
O Campeão da Varela só NÃO foi campeão uruguaio em duas temporadas: Defensor, em 2008/2009; e Wanderers, em 2013/2014.