O River grande

Sabe quem talvez tenha se lembrado do jogaço de ontem no Monumental de Núñez? Zinedine Zidane. Eu, ao menos lembrei dele. Afinal, o título do River Plate foi construído como Zizou encaminhou o da França na final de 1998, contra o Brasil, no Stade de France: foram dois gols quase que idênticos, surgidos a partir de dois escanteios batidos do lado esquerdo. Gols que decidiram um torneio - naquele caso a Copa do Mundo, ontem a melhor Sul-Americana de todos os tempos.

Insisto no fato de ser a melhor edição da história deste torneio por um simples motivo: foi mesmo a melhor, disparado. E a final esteve à altura de toda a fase derradeira da competição. River e Atlético Nacional fizeram um jogaço, como o de Medellín. Em momentos, a decisão foi franca, aberta, como raramente se vê - ainda mais quando existe a possibilidade de disputar uma prorrogação.

Para vencer um Atlético Nacional que costuma mudar de esquema durante o jogo, é preciso ter um padrão de jogo bem definido. E o River o tem. Com Mercado de volta à lateral direita, a equipe voltou a atacar bastante pelos lados, nas dobradinhas Mercado-Sánchez, pela destra, e Vangioni-Rojas, pela canhota. Foi algo que faltou em Medellín, quando Gallardo perdeu Mercado por suspensão e os colombianos escalaram dois pontas abertos - ontem foram alas, num 3-4-1-2. Por isso o Nacional dominou boa parte do jogo de ida.

As boas tramas abriram espaço para jogadas infiltradas, e em três delas Teo Gutiérrez entrou livre, mas perdeu para as boas defesas do goleiro Armani. Nada disso, no entanto, significava um domínio completo dos argentinos. Com a personalidade de sempre, o Atlético Nacional sempre fez questão de jogar também. E conseguia, seja pelos avanços de Bocanegra e Díaz, pela qualidade de passe de Cardona ou pelas pontas, com Berrío e até Ruiz, que começou como centroavante, mas que Juan Carlos Osorio inteligentemente posicionou mais à esquerda, notando que Mercado, quando subia, concedia espaços às costas.

Depois de um bom papo com seu time no intervalo, Osorio corrigiu os problemas de posicionamento defensivo invertendo o lado dos zagueiros Henriquez e Valencia, e posicionando Bocanegra mais recuado, como um lateral, não como ala de 3-5-2. A mudança surtiu efeito num primeiro momento: os primeiros seis ou sete minutos da etapa complementar foram colombianos. Eis que Gallardo, mostrando a coragem e ousadia que tinha quando jogador, resolveu arriscar tudo: adiantou seu time, o fez pressionar a saída de bola e passou a encurralar o time visitante, deixando a questão do preparo físico de uma possível prorrogação em segundo plano. E deu muito certo.

Sem deixar Cardona sequer se aproximar da bola, o River acossou o Atlético Nacional de forma veemente por cerca de dez minutos. Neste período, e por conta desta pressão, conseguiu os dois escanteios que terminaram em gols idênticos: cruzamento de Pisculichi da esquerda, cabeçada no meio da área e gol, primeiro de Mercado, depois de Pezzella. O 2 a 0 era extremamente difícil de reverter, especialmente porque o Monumental de Núñez literalmente balançava.

As mexidas de Osorio surtiram pouco efeito. Berrío, como em Medellín, estava bem, mas foi sacado. E Cárdenas, que dá criatividade e velocidade à equipe, entrou tarde demais. O River abriu a vantagem de dois gols aos 14 minutos e nunca mais correu o risco de perdê-la. Os demais 35 minutos de duelo foram de uma administração de resultado relativamente tranquila para uma decisão deste porte.

Embora Osorio seja um dos técnicos do ano na América do Sul por conta de sua personalidade e ousadia para um montar um time forte como este Atlético Nacional, é inegável que Marcelo Gallardo o venceu nesta batalha tática e estratégica da final da Sul-Americana. Aos 38 anos, o jovem técnico argentino foi um dos personagens do então último título do River em nível internacional: a Supercopa de 1997. Uma época em que o River era não grande, mas um gigante. Um time que se impunha, dominava e fazia valer o peso de seu elenco e sua enorme tradição. Nestes 17 anos, muitos técnicos pareciam não conhecer este lado de um clube que viu sua força diminuir, viu seu peso perante os adversários nacionais e continentais minguar. Gallardo não: ele só conhece o River grande. E por isso, por ter sido grande, por não ter tido medo de encurralar o adversário numa situação de risco de uma grande final, é que sua equipe sai premiada com uma taça mais que merecida.

Um supercampeão
Desde a irresistível Universidad de Chile de Sampaoli, Vargas e Aránguiz, a Copa Sul-Americana não tinha um campeão tão absoluto. O River Plate de Gallardo sempre deu pinta de campeão: em 10 jogos contra Godoy Cruz, Libertad, Estudiantes, Boca e Nacional, obteve oito vitórias, dois empates e nenhuma derrota. Aproveitamento de 86,7%. La U, em 2011, foi ainda um pouquinho superior: 10 vitórias e dois empates em 12 jogos, aproveitamento de 88,9%.

A primeira zebra
Se o tempo em que africano jamais poderia ganhar de sul-americano já deixou de existir desde 2010, agora o Mundial Interclubes provou que a época da Oceania como saco de pancadas também faz parte do passado. A classificação do Auckland City nos pênaltis contra o marroquino Moghreb Tetouan é histórica. A competição já começa com zebra em 2014. Que os favoritos fiquem de olho.

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