Nivelado por cima ou por baixo?
A velha discussão a respeito do nível técnico do Campeonato Brasileiro já está se tornando tão batida quanto a histórica "pontos corridos ou mata-mata?". E, em 2014, agrada a todos os gostos. Quem defende que o campeonato é fraco tecnicamente tem argumentos inegavelmente válidos; mas quem vê um torneio forte e nivelado por cima, também. A prova disso é a tabela.
Nunca foi tão difícil chegar à Libertadores. Pelos sempre divertidos simuladores, estimo que pelo menos 69 pontos serão necessários para conseguir G-4. Se for G-5, 68. O máximo até hoje, na era dos pontos corridos com 20 clubes, foi 65 pontos. Tudo porque há sete times bons ou muito bons neste ano: Cruzeiro, São Paulo, Grêmio, Internacional, Atlético Mineiro, Corinthians e Fluminense, todos, têm problemas, mas os sete contam com alguns grandes jogadores - todos mandaram atletas recentemente para seleções nacionais, em uma época onde os talentos são varridos cedo daqui direto para a Europa. Quase todos contam também com ótimos técnicos, alguns deles extremamente vencedores. A média de público deles é de 24.023 torcedores, quase o dobro dos 13.516 dos demais 13 clubes que disputam a Série A.
O caso do Flu é emblemático. Rebaixamento de 2013 à parte (o que parece ter sido um acidente, pois o Tricolor não era time para cair), a equipe carioca tem em sua equipe principal Diego Cavalieri, Bruno, Gum, Carlinhos, Diguinho, Jean, Wagner, Rafael Sobis e Fred - nove titulares do elenco campeão brasileiro de dois anos atrás, título conquistado com um pé nas costas. Isso fora Conca, condutor da conquista de 2010. Com 57 pontos, o time das Laranjeiras está em último nesta briga: é o 7º colocado, e o que tem menores chances de disputar a próxima Libertadores dentre todos os sete.
No entanto, é inegável: nunca tivemos tantos times ruins na primeira divisão nacional. O melhor dos 13 últimos colocados, o Flamengo, penou boa parte do turno na zona de rebaixamento e tem um elenco fraco, que só está onde está porque Vanderlei Luxemburgo faz um bom trabalho de recuperação. A distância até o rival Fluminense, que está uma posição à frente, é de dez pontos. Destes 13 times, somente o Santos parece ter feito um campeonato abaixo do que pode. Com Robinho, Thiago Ribeiro, Geuvânio, Gabriel e Leandro Damião rendendo o que sabem, talvez estivesse no bolo que disputa G-4. Em nenhum momento, porém, deu pinta de que poderia chegar lá.
Para cair este ano não basta ser ruim: tem que ser muito ruim. O Botafogo, com problemas monstruosos em todas as esferas, segue com chances, ainda que remotas, de se safar. Em anos anteriores, talvez já estivesse matematicamente condenado. Equipes como Atlético Paranaense, Goiás e Figueirense possuem grupos de jogadores que certamente lutariam contra a queda em outras temporadas, mas em 2014 estão se salvando com relativa facilidade. O Palmeiras, com toda a sua crise técnica de anos, tem boas chances de permanecer na elite também.
O fato é que 2014 escancara um abismo que existe entre uma elite do futebol nacional para os demais clubes. Se em temporadas anteriores tudo parecia muito equilibrado, agora parece que já entramos, rodada após rodada, sabendo que os times de cima vão vencer, e os de baixo sofrer. Neste final de semana, dos sete primeiros, só o Atlético Mineiro não venceu - ainda assim, porque escalou reservas e empatou com o Figueirense. Dos oito últimos, só o Vitória ganhou, e porque pegou outro time lá de baixo, a Chapecoense. Todos os demais, à exceção dele e do Figueira, perderam. Não se trata de uma coincidência, evidentemente. O tal achatamento da tabela (times de baixo começarem a vencer seus últimos jogos, desesperados que estão, causando um equilíbrio na pontuação geral do Brasileiro), tão comum em campeonatos anteriores, inexiste agora.
O Brasileirão de 2014 se divide em dois. Um de ótimo nível, com ótimas equipes, capazes de conquistar um título nacional dois anos atrás, mas que hoje nem Libertadores devem conseguir; e outro recheados de times medianos ou fracos, muitos deles se safando de um rebaixamento que certamente ocorreria em um torneio mais nivelado. Um desnível claro, que tem suas razões não apenas por razões econômicas - o Flamengo, que pertence ao grupo de baixo, recebe tanto dinheiro da TV quanto o poderoso Corinthians - mas também por questões de competência administrativa.
Nada disso é garantia de que em 2015 o certame será assim. Goiás e Atlético Paranaense, com sua política de investir na base, talvez possam realizar boas campanhas. O Flamengo, com um pouco mais de cautela, o que chegou a ensaiar dois anos atrás, também. O Santos tem um claro potencial maior do que sua campanha medíocre sugere. Mas que os sete primeiros colocados têm se dado melhor nos últimos anos é claro. Se aplicarmos o promedio argentino (média de pontos dos clubes nas últimas três temporadas), sete dos oito primeiros colocados são justamente os sete primeiros de 2014. O intruso é o Atlético Paranaense, com sua campanha fora da curva no ano passado, que ocuparia a 6ª colocação deste ranking platino.
Ao menos, esse desnivelamento atinge vários clubes. Os mais catastróficos esperavam Corinthians e Flamengo disputando o título sempre, após a famigerada renegociação das cotas de televisão, o que certamente seria a ruína competitiva definitiva do nosso futebol, e que acarretaria uma imediata mudança de fórmula de disputa, para que o torneio não perdesse o interesse nacional. No fim das contas, o que vem ocorrendo de fato é uma superioridade do Cruzeiro, com sua organização acima da média: ganhou fácil em 2013 e provavelmente ganhará, por uma margem menor, neste ano. Logo atrás, vários times em um nível semelhante.
A pergunta do título deste texto, portanto, não faz sentido: o campeonato não está nivelado por cima, nem por baixo; está desnivelado. E isso, mesmo que seja um desnivelamento de sete times à frente dos outros, todos em condições técnicas semelhantes, não é bom.
Em tempo:
- Pequena provocação: já pensaram um torneio tipo o de 1998, com play-offs, envolvendo os oito primeiros colocados deste ano? Que final de ano! Só para apimentar a mais batida das discussões desde que os pontos corridos foram implantados.
- O Carta na Mesa desta segunda-feira já está disponível para download. Nossa próxima edição é quinta-feira, ao vivo, às 10h, pela Rádio Estação Web. Reprise às 13h.
Nunca foi tão difícil chegar à Libertadores. Pelos sempre divertidos simuladores, estimo que pelo menos 69 pontos serão necessários para conseguir G-4. Se for G-5, 68. O máximo até hoje, na era dos pontos corridos com 20 clubes, foi 65 pontos. Tudo porque há sete times bons ou muito bons neste ano: Cruzeiro, São Paulo, Grêmio, Internacional, Atlético Mineiro, Corinthians e Fluminense, todos, têm problemas, mas os sete contam com alguns grandes jogadores - todos mandaram atletas recentemente para seleções nacionais, em uma época onde os talentos são varridos cedo daqui direto para a Europa. Quase todos contam também com ótimos técnicos, alguns deles extremamente vencedores. A média de público deles é de 24.023 torcedores, quase o dobro dos 13.516 dos demais 13 clubes que disputam a Série A.
O caso do Flu é emblemático. Rebaixamento de 2013 à parte (o que parece ter sido um acidente, pois o Tricolor não era time para cair), a equipe carioca tem em sua equipe principal Diego Cavalieri, Bruno, Gum, Carlinhos, Diguinho, Jean, Wagner, Rafael Sobis e Fred - nove titulares do elenco campeão brasileiro de dois anos atrás, título conquistado com um pé nas costas. Isso fora Conca, condutor da conquista de 2010. Com 57 pontos, o time das Laranjeiras está em último nesta briga: é o 7º colocado, e o que tem menores chances de disputar a próxima Libertadores dentre todos os sete.
No entanto, é inegável: nunca tivemos tantos times ruins na primeira divisão nacional. O melhor dos 13 últimos colocados, o Flamengo, penou boa parte do turno na zona de rebaixamento e tem um elenco fraco, que só está onde está porque Vanderlei Luxemburgo faz um bom trabalho de recuperação. A distância até o rival Fluminense, que está uma posição à frente, é de dez pontos. Destes 13 times, somente o Santos parece ter feito um campeonato abaixo do que pode. Com Robinho, Thiago Ribeiro, Geuvânio, Gabriel e Leandro Damião rendendo o que sabem, talvez estivesse no bolo que disputa G-4. Em nenhum momento, porém, deu pinta de que poderia chegar lá.
Para cair este ano não basta ser ruim: tem que ser muito ruim. O Botafogo, com problemas monstruosos em todas as esferas, segue com chances, ainda que remotas, de se safar. Em anos anteriores, talvez já estivesse matematicamente condenado. Equipes como Atlético Paranaense, Goiás e Figueirense possuem grupos de jogadores que certamente lutariam contra a queda em outras temporadas, mas em 2014 estão se salvando com relativa facilidade. O Palmeiras, com toda a sua crise técnica de anos, tem boas chances de permanecer na elite também.
O fato é que 2014 escancara um abismo que existe entre uma elite do futebol nacional para os demais clubes. Se em temporadas anteriores tudo parecia muito equilibrado, agora parece que já entramos, rodada após rodada, sabendo que os times de cima vão vencer, e os de baixo sofrer. Neste final de semana, dos sete primeiros, só o Atlético Mineiro não venceu - ainda assim, porque escalou reservas e empatou com o Figueirense. Dos oito últimos, só o Vitória ganhou, e porque pegou outro time lá de baixo, a Chapecoense. Todos os demais, à exceção dele e do Figueira, perderam. Não se trata de uma coincidência, evidentemente. O tal achatamento da tabela (times de baixo começarem a vencer seus últimos jogos, desesperados que estão, causando um equilíbrio na pontuação geral do Brasileiro), tão comum em campeonatos anteriores, inexiste agora.
O Brasileirão de 2014 se divide em dois. Um de ótimo nível, com ótimas equipes, capazes de conquistar um título nacional dois anos atrás, mas que hoje nem Libertadores devem conseguir; e outro recheados de times medianos ou fracos, muitos deles se safando de um rebaixamento que certamente ocorreria em um torneio mais nivelado. Um desnível claro, que tem suas razões não apenas por razões econômicas - o Flamengo, que pertence ao grupo de baixo, recebe tanto dinheiro da TV quanto o poderoso Corinthians - mas também por questões de competência administrativa.
Nada disso é garantia de que em 2015 o certame será assim. Goiás e Atlético Paranaense, com sua política de investir na base, talvez possam realizar boas campanhas. O Flamengo, com um pouco mais de cautela, o que chegou a ensaiar dois anos atrás, também. O Santos tem um claro potencial maior do que sua campanha medíocre sugere. Mas que os sete primeiros colocados têm se dado melhor nos últimos anos é claro. Se aplicarmos o promedio argentino (média de pontos dos clubes nas últimas três temporadas), sete dos oito primeiros colocados são justamente os sete primeiros de 2014. O intruso é o Atlético Paranaense, com sua campanha fora da curva no ano passado, que ocuparia a 6ª colocação deste ranking platino.
Ao menos, esse desnivelamento atinge vários clubes. Os mais catastróficos esperavam Corinthians e Flamengo disputando o título sempre, após a famigerada renegociação das cotas de televisão, o que certamente seria a ruína competitiva definitiva do nosso futebol, e que acarretaria uma imediata mudança de fórmula de disputa, para que o torneio não perdesse o interesse nacional. No fim das contas, o que vem ocorrendo de fato é uma superioridade do Cruzeiro, com sua organização acima da média: ganhou fácil em 2013 e provavelmente ganhará, por uma margem menor, neste ano. Logo atrás, vários times em um nível semelhante.
A pergunta do título deste texto, portanto, não faz sentido: o campeonato não está nivelado por cima, nem por baixo; está desnivelado. E isso, mesmo que seja um desnivelamento de sete times à frente dos outros, todos em condições técnicas semelhantes, não é bom.
Em tempo:
- Pequena provocação: já pensaram um torneio tipo o de 1998, com play-offs, envolvendo os oito primeiros colocados deste ano? Que final de ano! Só para apimentar a mais batida das discussões desde que os pontos corridos foram implantados.
- O Carta na Mesa desta segunda-feira já está disponível para download. Nossa próxima edição é quinta-feira, ao vivo, às 10h, pela Rádio Estação Web. Reprise às 13h.
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