A obrigação é olhar para a frente

Luiz Felipe não é a renovação, ao contrário. É a aposta no que já deu certo. Onze entre dez gremistas sonham com sua volta desde aquele jogo contra a Portuguesa, pela final do Brasileiro de 1996, que marcou sua vitoriosa despedida do clube. Nestas quase duas décadas, viram o ídolo ganhar quase tudo também no Palmeiras, levar o Brasil ao pentacampeonato e tornar a modesta seleção de Portugal uma semifinalista de Copa do Mundo. Mais recentemente, porém, viram feitos não tão marcantes: uma passagem fracassada pelo Chelsea, um período mais de baixos que de altos no Palmeiras e o fiasco dos 7 a 1, exatas três semanas atrás, o maior da história da seleção brasileira.

Felipão, portanto, não chega ao Grêmio por causa de seu presente, mas de seu passado, em especial seu passado no próprio clube gaúcho, com o mesmo Fábio Koff na presidência. Isso é um problema? Pode ser, caso a ideia da direção seja repetir magicamente aquele período repleto de glórias de duas décadas atrás. Aliás, é exatamente nisso que todos pensam automaticamente: os torcedores se enchem de euforia, achando que tudo será revivido. E quem, como eu, tem a tarefa de analisar, de primeira já diz que qualquer pensamento mágico e tentativa de volta ao passado tende irremediavelmente ao fracasso. Mas, voltando à pergunta, também pode não ser, e aí depende da intenção com que Luiz Felipe foi trazido.

Tite era o nome ideal para treinar o Grêmio neste momento. Técnico em alta, mas com experiência. Identificado com o clube, e vitorioso também fora dele. Com o respeito de todos, situação e oposição. Um nome forte, capaz de conduzir o Tricolor a um projeto de longo prazo sem correr o risco de cair após a primeira eliminação ou fracasso em Gre-Nal. Por que ele era uma opção melhor que Felipão? Por ser um técnico que se atualiza constantemente, que tem ideias novas e arejadas. Mas o respaldo necessário para permanecer no cargo mesmo com uma, duas ou três eliminações, uma, duas ou três derrotas em clássico, Felipão também tem. E é por isso que sua contratação pode não ser uma ideia tão má assim.

Felipão não teve sequer tempo de descansar após o vexame na Copa do Mundo, quanto mais de estudar. Não tem o currículo recente de Tite, nem suas ideias são tão modernas - embora também não sejam tão ultrapassadas, como a final da Copa das Confederações do ano demonstrou. Mas pode ser uma boa opção se o Grêmio se dispuser a mantê-lo pelo menos por 30 meses, até o fim de 2016 - o contrato curto, com vencimento em dezembro, não é um bom indicativo, mas se deve mais em função das eleições que de qualquer outra coisa. O Grêmio, como qualquer clube, precisa de continuidade de trabalho. Quem precisa de mudança de trajeto o tempo todo é atacante driblador, não filosofia de clube de futebol.

Felipão, assim como Tite (e talvez mais nenhum outro treinador), é quase que uma garantia de continuidade, ou, ao menos, de que a casa não cai no primeiro fracasso. Ele tem força, moral junto à torcida e respeitabilidade capaz de superar turbulências que não deviam, mas vitimam nomes mais modestos, como Enderson Moreira, Julinho Camargo e afins. Tem força até, provavelmente, de continuar o projeto mesmo que uma nova direção assuma o comando do clube em 2015. E tudo o que o Grêmio mais precisa é de um trabalho continuado, para que tenha um futuro mais consistente.

O sucesso de Felipão no Grêmio, portanto, depende fundamentalmente de ele, Koff, Ivo Wortmann, Murtosa, Chitolina e Rui Costa olharem para a frente, e não para a década de 1990. Como olhar para o passado deve trazer hoje em dia para Luiz Felipe lembranças muito mais fortes do 7 a 1 que da final de 1995 em Medellín, talvez isso seja possível. Recuperar parte de sua imagem, abalada com o fiasco na Copa, é outra boa razão. O Grêmio precisa de um técnico que una de novo todos no clube, e que tenha a força de conduzir um projeto de longo prazo. Felipão, por sua vez, precisa de um lugar onde se sinta acolhido para superar, com trabalho, a péssima imagem que a Copa deixou.

Os interesses casam, mas, fora o pensamento mágico, não há certeza alguma de que dará certo, e há grandes motivos para pensar que não dará, mesmo. Mas existe a chance de dar, e ela depende fundamentalmente de todos neste processo pensarem, apenas, no futuro. No fim das contas, é disso que o Grêmio precisa há tempos: esquecer o passado glorioso, mas também esquecer os últimos 13 anos de seca e pensar no clube visando o futuro, e não no curto prazo, na próxima copa, no próximo clássico, mas em anos de resultados consistentes. E nem Felipão, técnico com maiores motivos do mundo para pensar no passado quando o assunto é sua relação com o Grêmio, terá o direito de cometer esse erro.

Comentários

luís felipe disse…
Com todo respeito, não vejo em Tite um técnico que se renova constantemente. Vejo exatamente o contrário: todos os times dele ganham da mesma forma e pecam pelos mesmos motivos depois que ele perde os jogadores rápidos de transição que acabam consagrados.
Vicente Fonseca disse…
Renovar constantemente talvez tenha sido um exagero, ou erro de semântica. Nenhum técnico muda de estilo constantemente. Mas o Tite estuda, se atualiza, pensa alternativas. É mais nesse sentido que falo.