Até quando?

Há muito tempo a torcida brasileira não vivia um sofrimento tão grande para vencer uma disputa de Copa do Mundo. Para ser mais preciso, desde aquela semifinal de 1998, contra a Holanda, decidida também nos pênaltis. A diferença é que, naquele dia, Marselha viu um jogaço entre duas seleções de alto nível. Agora, o Mineirão viu igualmente um jogo histórico, dramático, mas que só foi tão complicado por um motivo: porque o Chile provou, em quase a totalidade dos 120 minutos, que tem uma equipe superior à do Brasil. Fosse o jogo em campo neutro, talvez estivéssemos comentando agora a epopeia do time andino sobre seu eterno algoz.

No último treino antes do jogo em Belo Horizonte, Felipão treinou marcação-pressão na saída de bola. É mesmo o melhor jeito de encarar um adversário que atua desta forma, como a final da Copa das Confederações do ano passado, contra a Espanha, demonstrou. A seleção brasileira começou até bem. Fernandinho não fez o que havia feito contra Camarões, mas ajudava Luiz Gustavo a encurtar o campo e anular as peças chilenas. Quando David Luiz (ou Jara?) fez 1 a 0, o Brasil era melhor e merecia o resultado. Abrir vantagem no Mineirão lotado, contra uma seleção que historicamente vai mal contra os brasileiros, era um cenário absolutamente favorável.

O problema, por incrível que pareça, foi justamente o gol cedo demais. O Brasil sentou em cima da vantagem, deixou de pressionar o Chile como fazia (e como fez diante dos espanhóis no ano passado) e passou a se fechar para buscar os contra-ataques. Porém, não mostrou em momento algum organização ou qualquer tipo de pinta de que estava preparado para isso. Quem joga uma Copa em casa dificilmente não tomará a iniciativa. O erro veio aí: era mais digno de um time gigantesco e mandante seguir apertando o Chile e tentar aumentar a vantagem do que esperar a seleção de Sampaoli, que adora pegar times fechadinhos.

Juntamente com essa postura errada veio o gol de Alexis Sánchez, um tento quase que oferecido pelo Brasil, em devolução errada de Hulk num lateral batido por Marcelo. O Chile, notem bem, empatou o jogo fazendo o que a seleção de Felipão prometia fazer: marcou a saída de bola brasileira de forma agressiva, esperou um erro de passe e pegou a defesa completamente fora do lugar. Mas o Brasil não chegou a sentir tanto o gol. Antes do intervalo, teve mais duas chances: uma em chute de Fred na pequena área por cima e outra em belo arremate de fora da área de Daniel Alves. Voltou a pressionar os chilenos, embora sem a mesma organização. Talvez uma boa conversa no vestiário fizesse o time chegar à vitória.

Mas não. O segundo tempo foi um horror, um pesadelo para quem foi ao Mineirão para ver a Seleção se classificar. Sem qualquer organização em campo, o Brasil foi dominado por um Chile nitidamente mais organizado e coletivamente qualificado. Vidal pareciam dois, Sánchez era um demônio, Medel parava Jô e Fred mesmo tendo 20 centímetros a menos de altura que ambos. Aránguiz, mais discreto hoje (embora de boa atuação), quase virou o jogo numa das poucas vezes em que entrou na área. Mais organizado para marcar as ligações diretas até Neymar, o Chile ganhou todos os rebotes e ficou quase que o tempo todo com a bola, diante de um Brasil absolutamente sem meio-campo. As mexidas de Felipão não ajudaram em nada, foram absolutamente conservadoras, sem mudar a estrutura tática da equipe quando era mais necessário.

Mas o Chile cometeu um pecado grave no segundo tempo. A exemplo do Brasil no primeiro, não matou o jogo quando o teve na mão. Sampaoli também mexeu mal: a saída de Vargas tirou de campo um atacante que preocupava demais o Brasil, e entrou em seu lugar mais um meia, Gutiérrez. O Chile dominou o Brasil, mas teve poucas chances efetivas de marcar. O terror se deu porque sua superioridade era muito evidente, e porque a bola rondava a intermediária canarinha durante a maior parte dos 45 finais.

O pecado chileno fica ainda mais grave quando vemos que a equipe de Sampaoli sentiu fisicamente na prorrogação. Era preciso vencer nos 90 minutos. Nos 30 minutos extras, Hulk cresceu muito em campo. Se Oscar era uma nulidade, Jô tropeçava na bola e Neymar parecia descontado e desconectado do jogo, era o camisa 7 que buscava o jogo, arriscava o drible e os chutes de longe. Bravo foi obrigado a algumas defesas complicadas. Ainda assim, o Brasil não conseguiu ter organização para pressionar os chilenos na prorrogação. Mesmo jogando em casa, mesmo sendo superior fisicamente. O banho de Sampaoli em Felipão foi inapelável.

Nos pênaltis, algumas injustiças. Alexis Sánchez, o melhor jogador dos 120 minutos, não merecia errar sua cobrança, como Baggio e Baresi não mereciam ter perdido em 1994, nem Gyan por Gana contra o Uruguai em 2010. Hulk foi outro: errou no gol chileno, mas foi quem teve mais personalidade na hora mais difícil, chamando a responsabilidade para si quando companheiros mais badalados não o faziam. Bateu mal demais. Mas uma grande justiça foi feita: Júlio César. A eliminação contra a Holanda em 2010 caiu em sua conta, causou uma decadência forte em sua carreira de clubes, mas vê-lo dar esta volta por cima com a seleção é mais uma daquelas maravilhosas histórias de reviravoltas em Copas do Mundo.

A eliminação foi uma crueldade com o Chile. O time de Jorge Sampaoli esteve sempre mais perto de vencer. Mesmo que a partida tenha sido em geral equilibrada, ficou claro o tempo todo que o time chileno é melhor, mais bem treinado, e acaba eliminado antes da hora, pelo potencial técnico que possui. O choro dos jogadores ao fim da decisão por pênaltis foi comovente. Mantendo esse trabalho, a equipe já é a maior favorita para ganhar a Copa América do ano que vem em casa. Seria um belo consolo, mas nada mais do que isso. Não haverá mais chance tão boa de vencer o Brasil em uma Copa do Mundo, pois estamos falando da melhor geração da história do Chile, e uma das mais fracas brasileiras das últimas décadas.

Quanto ao Brasil, a única sensação que pode ficar neste momento é a de alívio. O Brasil não foi heroico, tampouco pode gritar aos quatro ventos que se classificou porque foi superior. A Seleção escapou, neste sábado, de sofrer o seu maior vexame na história da Copa do Mundo: o de cair em casa numa fase tão prematura quanto as oitavas de final, e jogando um futebol paupérrimo, inferior ao de seu adversário. O que preocupa é que a Seleção não dá a pinta de que vai crescer após esta vitória. Talvez emocionalmente tire um peso das costas, e o fator emocional tem colaborado para as atuações ruins do Brasil até agora. Mas o time de Felipão em nenhum momento deste Mundial deu a impressão de que pode encorpar. É preciso haver uma profunda reflexão sobre o rumo do trabalho, antes que seja tarde demais. Se foi assim contra o Chile, o que poderá ocorrer diante de Alemanha ou Argentina?

Ficha técnica
Copa do Mundo 2014 - Oitavas de Final
28/junho/2014
BRASIL 1 x CHILE 1
Local: Mineirão, Belo Horizonte (BRA)
Árbitro: Howard Webb (ING)
Público: 57.714
Gols: David Luiz 17 e Sánchez 31 do 1º
Decisão por pênaltis: Brasil 3 (David Luiz, Marcelo e Neymar) x Chile 2 (Aránguiz e Díaz)
Cartão amarelo: Daniel Alves, Luiz Gustavo, Hulk, Jô, Mena, Silva e Pinilla
BRASIL: Júlio César (8,5), Daniel Alves (6), Thiago Silva (6,5), David Luiz (7) e Marcelo (6); Luiz Gustavo (5,5), Fernandinho (5) (Ramires, 26 do 2º - 5,5) e Oscar (4,5) (Willian, intervalo da prorrogação - 4); Hulk (5,5), Fred (4,5) (Jô, 14 do 2º - 4) e Neymar (5,5). Técnico: Luiz Felipe
Pênaltis: David Luiz (gol), Willian (fora), Marcelo (gol), Hulk (defendido) e Neymar (gol).
CHILE: Bravo (7), Silva (6), Medel (7,5) (Rojas, 2 do 2º da prorrogação - sem nota) e Jara (6); Isla (6,5), Díaz (6), Aránguiz (6,5), Vidal (7,5) (Pinilla, 41 do 2º - 4,5) e Mena (6,5); Sánchez (8) e Vargas (7) (Gutiérrez, 11 do 2º - 6). Técnico: Jorge Sampaoli
Pênaltis: Pinilla (defendido), Sánchez (defendido), Aránguiz (gol), Díaz (gol) e Jara (trave).

Comentários

Vine disse…
Aquela bola na trave num dos últimos lances dos 90 minutos do Pinilla deve ter doído...
Tem só uma coisa que vou retrucar sobre o que tu disse do jogo de hoje. O resto eu concordo inteiramente.

Sobre o fato de que, se o jogo não fosse no Brasil, o Chile teria mais chances de passar: acho isso muito discutível. Fosse o jogo fora, a seleção não sentiria tanto essa pressão que impõem sobre ela de ganhar esse título em casa, custe o que custar. Talvez as ideias do Felipão estivessem fluindo mais, o ambiente fosse mais leve.

Hoje ficou claro que o Brasil sente demais o psicológico. Esse esse grupo de jogadores não está aguentando o peso da torcida e da imprensa de vingarem a Copa de cinquenta. O choro do Júlio César antes dos penaltis começarem deixou claro isso. E, acho, as más atuações passam por esse fator também.

Aliás: o choro do Júlio César me remeteu a Copa de cinquenta. Agora dá pra entender o que foi toda a pressão psicológica em cima daqueles jogadores. Não há dinheiro ou prestígio que compense todo esse nervosismo. Não há.
Vicente Fonseca disse…
Teu contraponto é extremamente válido, Fred, e acho que tu tem razão, mas sem que eu também não tenha. Explico.

Quando se fala em fator psicológico, sempre há os dois lados da moeda. O Brasil estava muito pressionado ontem, sim, mas o Chile também, a meu ver. Tanto que em nenhum momento Sampaoli colocou seu time definitivamente para frente, para ganhar a partida, e sempre manteve uma certa cautela na hora de atacar. O Chile respeitou o Brasil um pouco mais do que deveria. Pode ser pelo histórico ruim, mas acho que tem muito a ver com o fato de pegar um Mineirão lotado contra ele e a favor do Brasil. Geralmente, só seleção grande, de mais tradição e camisa, cresce com um estádio lotado contra. Faltou ao Chile um pouco mais de coragem para definir o jogo, partir para cima, evitar os pênaltis (e até a prorrogação). Com a bola que o Brasil jogou ontem, o Uruguai, que sem Suárez é menos time do que o Chile, provavelmente teria se classificado em cima do Brasil, por exemplo.

Quanto a 1950, concordo também. Só imagino que a pressão não fosse tão forte como agora (embora fosse enorme, e tu que estudou o caso daquela Copa pode falar melhor do que eu), pois havia menos mídia cobrando. De qualquer forma, dá pra ter uma boa ideia, sim.
Legal que foi só a gente tocar nesse assunto para que a Grande Imprensa passasse a comentá-lo em seus programas durante este domingo.

Carta na Manga, como sempre, pautando a mídia.