Os tempos mudaram (para pior)

Lembro de chegar ao Olímpico para assistir à final do Gauchão de 1999, vestido de camisa do Grêmio, pronto para torcer para Ronaldinho acabar com Dunga. Alguns passos à frente, vi colorados atravessando a Avenida Érico Veríssimo tendo o mesmo destino que eu. Caminhavam sem qualquer tipo de constrangimento perto da maioria gremista. E não eram dois ou três. Eram alguns bons grupos de torcedores, que chegavam próximos a outros grupos de gremistas, sem que nenhum princípio de confusão es estabelecesse.

Os tempos mudaram. Ronaldinho, que caiu de vez nas graças dos gremistas naquela tarde, hoje é abominado. Recebeu a maior vaia da história do Olímpico em 2011, quando veio aqui jogar pelo Flamengo. Dunga se aposentou poucos meses depois daquele jogo, virou técnico da seleção e hoje treina justamente o Internacional. E a cena descrita no primeiro parágrafo soa como mentira, ou pior, utopia nos tempos raivosos, intransigentes e ignorantes que vivemos no futebol gaúcho e de algumas (não todas) outras grandes praças do esporte no Brasil.

Pois os tempos mudaram tanto que veremos, no próximo domingo, o primeiro Gre-Nal com torcida única em todos os tempos. E não ficaria lá muito feliz se tivermos uns gatos pingados torcendo pelo Inter na Arena. Não que eu não os queira na nova casa gremista, ao contrário: é que vejo o Gre-Nal com torcida única como algo que fatalmente e muito infelizmente ocorrerá um dia. Se não fosse desta vez, seria em outra, não daqui a muito tempo. Sou pessimista em relação a isso.

Restringir a presença de torcedores do clube rival a 2 ou 3 mil é uma violência com estes poucos que têm coragem de enfrentar a guerra no estádio adversário. É preciso ser heroico: a cada torcedor do seu time, há 20 ou 25 do clube rival. O acuamento é a primeira reação, totalmente instintiva. A Brigada Militar precisa fazer um cercamento destas poucas pessoas, para que não sejam atacadas pelos intolerantes do outro lado. O torcedor é tratado como gado na chegada até o estádio. Já chega lá com todo esse desgaste, irritado, muitas vezes violentado por algum policial despreparado. Quem se anima a ir para a guerra? Gre-Nal na casa do rival virou guerra.

A reação é evidente: já circulam na internet planos para uma vingança do episódio dos banheiros químicos, provavelmente o mais triste dos 104 anos de história do Gre-Nal, um marco do ápice da violência do futebol gaúcho, que completa, aliás, sete anos hoje. E aí torna-se de certa forma justificável os administradores do estádio defenderem a ideia da torcida única, ou de termos uma parcela diminuta de torcedores do clube rival. Com menos gente, a polícia controlaria melhor uma provável depredação. É como um treinador preparar o seu time com a certeza da derrota, escalando-o retrancadinho para que não leve uma goleada histórica.

É um processo irreversível? No atual estágio sim, mas com um pouco de boa vontade seria possível sanar essas feridas. Mas quem pune os responsáveis? Quantos dos envolvidos em todas essas confusões ainda se apresentam nas delegacias em dias de jogos da Dupla Gre-Nal? Olha, se dois ou três ainda fizerem isso já será um exagero de minha parte. E ninguém cobra o poder político. Após a última grande confusão, durante o jogo entre Grêmio e Canoas, pelo Gauchão, houve uma ou duas semanas de matérias na mídia sobre quem cumpria ou não a sanção estabelecida. Depois, nunca mais. Se ninguém coíbe quem não deveria mais entrar nos estádios, dentro dele o poder público é de atuação ainda pior, vide a atuação lamentável da Brigada Militar no último domingo, agredindo pelas costas (!) o Gaúcho da Geral sem que ele esboçasse qualquer resistência a ser levado da Arena (pelo altamente discutível motivo de estar torcendo sobre um gradil, como sempre fez). A violência só deve ser usada em último caso por quem detém o seu monopólio. E provocações de outros torcedores não justificam o seu uso, só evidenciam o seu despreparo.

Eu gostaria, sinceramente, de ver uns 10 mil colorados na Arena domingo, e mais uns 10 mil gremistas no Beira-Rio no primeiro Gre-Nal de 2014. Gostaria de ver quem briga no estádio ser realmente punido, e não quem não briga pagar pelos baderneiros (não podendo ir a campo na casa do rival e ver pela TV os mesmos de sempre lá, arranjando confusão). Gostaria de ver segurança privada nos estádios, deixando a Brigada Militar (a qual eu gostaria que fosse muito mais bem preparada) para as ruas, onde ela pode ser bem mais útil. Gostaria de ver ingressos mais baratos, tanto nos novos como nos antigos estádios, pois preço não seleciona índole. Gostaria de menos Grenalização, menos intolerância, menos ignorância. Mas, sinceramente, tirando a questão dos ingressos mais baratos, o resto é caminho sem volta. Infelizmente. O primeiro Gre-Nal da Arena será histórico por dois motivos, um deles muito triste: o dia em que a intolerância derrotou o espírito esportivo.

Comentários

Lique disse…
pode não ter sido o primeiro que eu vi no beira-rio, mas o primeiro que eu lembro lá foi uma vitória com gol do iluminado gílson cabeção, o precursor do jardel, contratado JUNTO AO brasil de pelotas. cabeçada pra baixo, matando o GATO FERNANDEZ. eu tinha 10 anos e tava ali, atrás da goleira.

http://futebolgaucho.tumblr.com/post/36733379675/gauchao-1993-inter-0x1-gremio-gilson-cabecao
Lique disse…
Este comentário foi removido pelo autor.
Lique disse…
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