Final feliz

Ninguém discute a qualidade técnica de Paulo Henrique Ganso. Os gremistas que o digam: no dia 12 de maio de 2010, uma noite de quarta-feira, semifinal da Copa do Brasil, o meia teve uma atuação espetacular na histórica partida que teve vitória de virada do Grêmio sobre o Santos, por 4 a 3. No jogo de volta, uma semana depois, abriu caminho para a classificação santista com um golaço de fora da área. Há tempos ele não repete aquele tipo de desempenho, mas ninguém joga aquilo tudo sem saber. Ninguém desaprende.

Mas mesmo considerando a qualidade técnica de Ganso indiscutível, dá para discutir - e muito - se seria bom negócio sua contratação. O Grêmio estava prestes a desembolsar R$ 23,8 milhões por 45% do passe do jogador e oferecer um salário que beiraria R$ 1 milhão mensais para tê-lo no elenco. O dinheiro viria com auxílio de investidores, mas mesmo assim dificilmente teria retorno a eles e ao clube. Só uma venda acima dos R$ 60 milhões para o exterior traria lucro, e mesmo assim baixo. Para tanto, Ganso precisaria jogar mais do que já jogou no Santos. Afinal, mesmo sendo um gigante do futebol brasileiro, o Grêmio não é um clube do Rio de Janeiro ou São Paulo, onde a vitrine inegavelmente é maior.

Se o retorno financeiro já seria improvável, imaginem o retorno técnico. Ganso não joga bem com regularidade desde que se lesionou com gravidade, aqui mesmo no Olímpico, em um jogo do Campeonato Brasileiro, há dois anos. Teve raros lampejos em 2011 e no Paulistão deste ano. Mesmo com todo o cartaz, perdeu a titularidade na seleção olímpica para Oscar - com toda a justiça, diga-se. O Grêmio investiria milhões em um jogador muito qualificado, mas imprevisível, difícil de lidar, mimado, que poderia desunir o grupo se fosse para a reserva. Por falar nisso, onde ele entraria no time atual? Valeria à pena mudar todo o esquema e colocar em risco a mecânica de jogo que vem dando certo por conta dele? Claro que não. Seria outra história se ele viesse num começo de temporada.

A única semelhança de Ganso com Elano e Zé Roberto é o fato de os três terem jogado na Vila Belmiro. Os dois meias atuais do Grêmio são jogadores já consagrados, que vieram para o Olímpico em busca de um novo desafio na carreira. Ganso já deixou claro que não quer este desafio. E, mesmo longe de ser um jogador consagrado, é quase tão marrento como era Romário (que podia ser marrento). Dificilmente teria o mesmo engajamento que os atuais articuladores gremistas. Nunca demonstrou isso em sua carreira, mesmo quando destruía em sua melhor fase.

Muitos consideram que um jogador caríssimo como Ganso se paga se vier um título grande. É uma visão que, além de perigosa, é extremamente limitada. O Grêmio carece de grandes títulos há mais de uma década, mas isso não é motivo para fazer loucuras. Quanto mais o clube faz investimentos absurdos em jogadores, pagando mais do que deve (ou pode), menos investe em outros aspectos fundamentais para ter um futuro sólido e competitivo nos gramados, como as categorias de base, por exemplo. Joga fora uma política de futebol pensada no longo prazo em nome da ansiedade. E, jogando fora esse projeto, fica mais longe dos grandes títulos. É um círculo vicioso extremamente tentador, fácil de entrar e dificílimo de sair.

Não vale à pena jogar tudo isso fora por um negócio dito "de ocasião", mas que de ocasião não tem nada - afinal, os valores são altíssimos. A novela Ganso terminou hoje para os gremistas, e com duplamente final feliz: primeiro, porque vimos o Grêmio brigar de igual para igual pelo jogador com o São Paulo, algo inimaginável há três ou quatro anos, e que sinaliza que o clube está no caminho certo; segundo, porque Ganso não vem, o que colocaria em xeque a afirmação anterior. Não valia à pena. Ele pode arrebentar no Morumbi (se é que vai para lá mesmo), ser o craque do Brasileirão 2013, o que for. Mas não valia. É um risco muito grande, e que o Grêmio não deveria correr.

Comentários

Igor Natusch disse…
Assino embaixo. Penso isso desde que Ganso era cogitado pelo Internacional: um atleta vivendo o momento que ele vive, com a personalidade que tem demonstrado e a dificuldade em fazer boas atuações de modo consistente, não valeria o imenso esforço financeiro necessário para adquiri-lo. No Grêmio (ainda mais no Grêmio de agora, azeitado, jogando de forma sólida e com boas perspectivas de futuro próximo), seria algo ainda mais temerário e despropositado.

Ganso é um problema. Mais que isso: um problemão. E tem seus valores inflados, mais na possibilidade do que na realidade, posto que não é um jogador tão cobiçado assim fora do Brasil. Seria uma bomba relógio, além de irresponsabilidade. Fico aliviadíssimo de que não virá. E periga mesmo ficar 4 meses na geladeira, dando voltas em torno da Vila Belmiro - justo prêmio a um atleta marrento e mimado e a um grupo de empresários que não souberam, em momento algum, oferecer seu material humano com o mínimo de sobriedade.
Vicente Fonseca disse…
Concordo, Igor.

Outra coisa: o risco existe para o São Paulo também. E só não é tão grande quanto seria para o Grêmio porque, aparentemente, o Ganso quer se transferir para lá. Há chance de que se engaje melhor no projeto do clube. Aqui, nem isso teria.
Vine disse…
Pode-se comparar o Ganso com o mercado imobiliário de Porto Alegre: valores exorbitantes pra qualidade péssima...
Vicente Fonseca disse…
HAHAHA

Boa comparação, Vine!