Bola 8

É tudo muito simbólico: o Brasil joga no Morumbi contra uma equipe fraca, vence por diferença apertada, sai vaiado. A crise parece não ter fim. O jogo seguinte é no Arruda. A seleção recebe o carinho do povo pernambucano, canta o hino abraçada e goleia o adversário seguinte.

Tudo lindo, maravilhoso, mas puro pensamento mágico. Ao contrário de 1993, quando os 6 a 0 sobre a Bolívia representaram um ponto de virada na campanha das Eliminatórias, a goleada de ontem não passa de um desafogo momentâneo, um cumprimento de obrigação protocolar. A seleção não evoluiu tanto de sexta-feira para cá como os 8 a 0 aplicados sobre a China sugerem. O placar simplesmente reflete a diferença de qualidade entre as duas equipes enfrentadas pelo Brasil. Os sul-africanos não são nenhum primor (estão atrás da Etiópia em seus grupo nas Eliminatórias), mas têm certa tradição, defendem-se melhor. Os chineses, por outro lado, já estão sem chances de ir à Copa de 2014 dois anos antes de sua realização e vieram ao Arruda seriamente desfalcados. Era uma China bem mais fraca que a que perdeu só por 1 a 0 para a Espanha, por exemplo.

Neste caso, não há muito o que avaliar na equipe. É claro que um placar tão dilatado merece ser levado em conta. Mesmo sendo a China a seleção pior ranqueada de todas as que Mano Menezes enfrentou dirigindo a seleção, o Arruda poderia ter visto um placar bem mais modesto, de 2 ou 3 a 0, se a equipe estivesse com preguiça em campo. Mas o Brasil não tem o direito de entrar preguiçoso, ainda mais depois das compreensíveis vaias que recebeu no Morumbi.

O maior prejudicado nesta pequena sequência de amistosos foi Leandro Damião. Sacado do time após o mau desempenho contra os sul-africanos (onde ele não foi o único que jogou mal, mas deu o "azar" de ver Hulk entrar e decidir a partida), viu do banco seus companheiros e concorrentes de posição empilharem gols contra um adversário muito fraco. Cai de cotação o centroavante colorado em relação à titularidade com a amarelinha.

A seleção segue carecendo de nomes experientes, mas o fato é que Kaká, por exemplo, é um jogador que está muito longe de ser o craque consagrado que vai passando o bastão aos jovens talentosos que vêm chegando. A geração dele, de Ronaldinho, de Adriano e de Robinho, entre outros, decaiu cedo demais. E os jovens que estão jogando têm que se virar sozinhos. O time da Olimpíada é praticamente o da Copa de 2014. Já se passaram dois anos. Há mais dois para evoluir, tanto em termos de conjunto como de amadurecimento dos próprios jogadores enquanto homens e profissionais. As vaias do Morumbi moldam o caráter, são a ralhada que o pai dá ao filho quando ele comete uma besteira ou não se sai tão bem no colégio como deveria. Os gols do Arruda são o carinho para lembrar que mesmo um tema de casa merece elogios, por mais que seja uma mera obrigação.

FICHA TÉCNICA
BRASIL (8): Diego Alves; Daniel Alves (Adriano), Dedé, David Luiz (Réver) e Marcelo; Rômulo (Sandro), Ramires (Arouca) e Oscar (Leandro Damião); Lucas, Hulk e Neymar (Jonas). Técnico: Mano Menezes
CHINA (0): Cheng; Peng Zhao, Jianye, Yang e Miao; Xuri Zhao, Peng, Liu e Junmin (Yuan); Lin (Xu) e Ting. Técnico: Jose Antonio Camacho
Local: Estádio do Arruda, Recife (PE); Data: segunda-feira, 10/09/2012, 22h; Árbitro: Roberto Silvera (Uruguai); Público: 29.568; Gols: Ramires 22 e Neymar 25 do 1º; Lucas 3, Hulk 6, Neymar 8 e 14, Jianye (contra) 24 e Oscar 29 do 2º

Comentários

Samir disse…
Pow, interessante o ponto que tu destaca no texto, professor: normalmente há um período em que duas gerações distintas convivem juntas, para, em seguida, os mais novos assumirem seu posto. Não é o que ocorre nessa seleção, como tu bem apontas: os craques da última geração decairam cedo demais. Adriano, Ronaldinho, Kaká, Robinho, todos jogadores com idade para jogar - e mto - pela seleção, mas os excessos, seja de festas, seja de lesões, impediram que eles continuassem.
Vicente Fonseca disse…
Samir, esse é um ponto que para mim parece óbvio mas é pouquíssimo falado. O Ronaldo, por exemplo, chegou a ficar na reserva de uma Copa inteira, em 1994. Conviveu com Dunga e Taffarel, jogou ao lado de Bebeto e Romário, posteriormente. Esse era o argumento mais válido, na minha opinião, para levar o Neymar pra África do Sul em 2010 - e não o de que ele tinha que entrar para ser "o cara", como os mais precipitados pediam.
Diogo Terra disse…
Se o adversário fosse africano, certamente o título da matéria teria que ser mudado :)