O Ronaldinho que foi e o que se perdeu
IGOR NATUSCH*
Em meio à enxurrada de noticias que tomaram conta de todos os cantos após a saída (como sempre) tumultuada de Ronaldinho Gaúcho de um time de futebol (desta feita o Flamengo), uma em especial chamou-me a atenção. Publicada pelo Globo Esporte, mostra um levantamento cujo resultado, ainda que pouco surpreendente, é bastante chamativo: em nenhum dos 20 clubes do Brasileirão a eventual contratação do dentuço seria bem-vinda pelos torcedores. Alguns números são especialmente impressionantes, como o fato de que 88% dos gremistas não querem nem saber do atleta - o que surpreende, no caso, por termos 12% que, depois de tudo que aconteceu e sabe-se lá por efeito de quais drogas alucinógenas, ainda topariam o cidadão vestindo a tricolor. Mas o que mais me impressionou, no fim das contas, foi ver que nenhuma torcida da primeira divisão brasileira quer ter algo a ver com um jogador de meros 32 anos, campeão do mundo e que foi eleito o melhor do planeta em tempos idos. Uma opinião que pode ser tudo, menos natural.
Poderíamos resumir a questão em um clichê surrado, mas bastante adequado ao caso, dizendo que todo mundo acaba, mais cedo ou mais tarde, colhendo o que plantou. Mas isso seria simples demais, quase condescendente demais, e eu realmente acho que a coisa toda merece mais algumas palavras - não apenas por ser altamente sintomática, mas por nos dar um marcante exemplo de tudo que o futebol, quando sequestrado pela ganância e pela indústria dos cifrões, pode apresentar de feio, triste e degradante.
Ronaldinho é, ou ao menos foi, um craque dentro do campo. Imagino que poucos, observando tudo que ele fez em sua carreira, poderão discordar disso sem apelar para o rancor ou para a negação pura e simples. No entanto, muita coisa condenável fez ele do lado de fora das quatro linhas - e de tal modo deixou-se levar por elas que acabou esquecendo da bola, deixando o jogador desaparecer atrás de uma malcheirosa montanha de polêmicas. Enriqueceu, colecionou honrarias, foi sempre tratado como rei em qualquer lugar onde dinheiro e fama fazem diferença. E enquanto acumulava riquezas, perdia a si mesmo.
Talentoso jogador que sempre foi ou teve condições de ser, Ronaldinho foi recebido quase sempre com alegria em seus novos clubes. E quase sempre os deixou por meio do litígio, debaixo de críticas ou vaias. Foi ídolo momentâneo, nunca permanente. Em nenhum lugar deixou saudade - talvez só no Barcelona, e certamente pelo jogador que foi e não pelo que partiu. Ninguém o toma como exemplo, ninguém gosta muito de associar sua imagem a ele. E, lembrem-se, estamos falando de um jogador que venceu Copa do Mundo e Liga dos Campeões. Alguém que levantou taças, mas que jamais se preocupou realmente em deixar qualquer legado por onde passava. Alguém que foi campeão, sim, mas cujas conquistas não foram suficientes para forjar um ídolo.
Venceu na vida, Ronaldinho Gaúcho? Acho que cada um pode ter sua própria opinião a respeito. Pessoalmente, acho difícil chamar de vencedor alguém que é recebido a vaias e cusparadas na cidade que o criou e no clube onde cresceu. Não consigo ver sucesso verdadeiro em alguém que apenas passou por clubes, sem jamais deixar para trás um caminho pelo qual pudesse voltar. Não acho vencedor alguém que não recebe aplausos sinceros em lugar algum. E não vejo motivos para admirar alguém que escolheu um caminho como o dele, repleto de títulos, transbordante de dinheiro, ausente de glória e dignidade.
Parece que, conscientemente ou não, as principais torcidas do Brasil concordam comigo, já que não ficam especialmente animadas com a possibilidade de ter um Ronaldinho em seu plantel. Sabem esses torcedores todos, certamente, que o craque que todos adorariam admirar já se perdeu há tempos, em algum lugar onde o espírito humano sucumbe ao lucro cego, aos prazeres fáceis e à indignidade. Hoje, o encanto do moleque dentuço que jogava bola de forma mágica está perdido, substituído por um homem cuja alegria é apenas uma lembrança distante, uma palavra vazia entre outras tantas. Não, digo eu: nada há que se admirar em Ronaldinho Gaúcho. E isso nada diz respeito a fatos individuais. Em alguns deles, quem sabe, ele e seu irmão Assis podem até ter razão; mas a história de um homem não é uma coleção de acontecimentos e versões, e sim o caminho que se consegue discernir em meio a tudo que ele foi e deixou de ser. E o caminho de Ronaldo de Assis Moreira, amigos/as, não me parece nada bonito. Desculpem a franqueza.
* Jornalista, colaborador do Carta desde 2009.
Comentários
Mas eu não acho que Ronaldinho seja craque dentro do campo. É um grande jogador, que pouco evoluiu ao longo dos anos. Uma precipitada decadência física ou desinteresse não explicam a decadência vertiginosa. Desde 2006 ele não é mais um jogador decisivo. E craque é, na minha modesta opinião, um jogador decisivo por definição. Se é craque, poderia render mais. Poderia de alguma forma relembrar a magia que mostrava no auge.
Dou algum exemplos. Lothar Matthaus era craque no meio da campo. Com a idade virou craque como líbero. Romário surgiu como praticamente um ponta-esquerda que arrancava do meio campo. Com o tempo virou um gênio da grande área. Ronaldo deixou de ser um centroavante veloz para virar um obeso, porém não menos brilhante, pivô e finalizador. E por aí vai.
Mesmo assim, o conceito de "craque" varia muito conforme o entendimento de cada um.