As fórmulas e a vida
FELIPE SCHROEDER FRANKE
Considerando que o lado mais positivo do esporte é o seu poder educativo, penso bastante em o quanto ele reflete a vida. Os exemplos clássicos são a capacidade de superação, a dedicação, o respeito pelo adversário e a capacidade de saber perder. Isso vale para todas as modalidades, mas cada uma tem suas idiossincrasias. No tênis, por exemplo, exercita-se muito o autocontrole e a sensibilidade de saber quando se deve atacar ou defender, quando é a hora de se arriscar mais ou menos.
Eu geralmente penso nessas coisas quando começa o Campeonato Brasileiro, e naturalmente voltei a pensar nisso na semana passada, quando este, que é o maior evento no calendário esportivo brasileiro, teve início. Antes de mais nada, devo admitir que minha sensação é de um cansaço absoluto. Porque, embora eu adore futebol, eu acho um pé no saco o modo como ele é atualmente disputado: são 38 rodadas, espalhadas por uns cinco meses, nas quais simplesmente todo mundo joga como todo mundo, e no final se faz um grande somatório de quem é-foi-esteve melhor (pensemos nesse termo, e na vida).
Pressupondo que o esporte reflete a vida, eu defenderia, fosse membro da CBF, o retorno à fórmula turno + mata-mata. Pois os pontos-corridos não têm êxtase: salvo no derradeiro final, quando as rodadas estão no fim, e os pontos já minguam - até metade do campeonato, meio que tanto faz perder ou ganhar, tanto que muitas equipes sonegam as primeiras rodadas em nome de uma Libertadores ou uma Copa do Brasil. Também odeio aquelas rodadas finais em que, de todos os jogos sendo jogados, somente um ou três, no máximo, definem o campeão. E, no final, soma-se tudo e, o que mais acumulou, vence.
Isso me leva a pensar que o mata-mata é a triste expressão da sociedade industrializada massificada. Uma disputa em linha de montagem, que torna o desafio algo muito mais matemático que místico ou sobrenatural (como a eliminação do Barcelona pelo Chelsea). Um sistema em que o que conta é aquele que sobrevive, e não aquele que vive. Aquele que aguenta, e não aquele que cria e, num arroubo de criação, permite que o mais fraco vença o mais forte. Comercialmente, o turno e returno também é o mais rentável, pois permite maior exploração das transmissões televisivas e da cobertura jornalística. E é o campeonato das massas, da grande democracia contemporânea, onde todo mundo tem a chance de dizer ou jogar aquilo que pensa ou sabe, mesmo que, para a maioria das equipes, a vitória seja improvável ou mesmo impossível.
Odeio tudo isso porque, para mim, hoje, a vida não é um somatório, um simples teste de resistência. A vida não é sempre igual, e nem todo mundo joga a vida do mesmo modo. A vida não é planificada a ponto de podermos somar as nossas felicidades diárias para, no final, se tivermos um bom resultado, termos a chance de nos declararmos campeões ou não. A vida, penso hoje, é algo, sobretudo, complexo, instável e irregular. Isso implica que há momentos na vida em que precisamos fazer certas coisas. Há momentos mais importantes, que são muito mais que uma 26ª rodada, mas, muito mais, umas quartas ou semi-finais. Há dias que se sobressaem, e que, bem vividos, valem muio mais que semanas inteiras passadas de modo calculado, quase-feliz.
Mas, apesar de tudo, com o braço a torcer, vejo um ensinamento duro, cruel e muito adulto no turno e returno. No mata-mata, a decisão é, de certa maneira, artificial: nós sabemos quando vamos disputar uma partida decisiva. Já no Brasileirão atual, por trás de partidas insossas podem residir três pontos sagradados e dotados de uma importância quase irracional, muito além da sabedoria comum. E assim também se apresenta a vida: todos sabemos que há momentos marcantes que definem quem somos, mas geralmente não sabemos quando isso ocorrerá: pode ser tanto na grande prova para o grande concurso, ou virando a rua e, ocasionalmente, se apaixonando por uma desconhecida.
Talvez se esconda, no caos e na chatice cotidiana do turno e do returno, a chave para a vida, despojada dos mitos, e encrustada na dura realidade, nem sempre feliz, mas acessível a todos. E talvez isso seja menos emocionante, mas mais real, que um mata-mata.
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