Brasil e Gabão: acredite, há uma relação histórica entre esse dois países

Zezinho Morais*
Quando a CBF anunciou na semana passada o novo calendário de amistosos da Seleção Brasileira até o fim de 2011, o embate marcado para 11 de Novembro chamou a atenção da crônica esportiva e dos adeptos do esporte-bretão: por que, afinal, o selecionado penta-campeão mundial enfrentaria o desconhecido Gabão?

O cancelamento de compromissos com Espanha e Itália após o fracasso na Copa América e derrotas para grandes seleções, como Argentina, França e Alemanha, sugeriu, por parte de alguns torcedores, que o Brasil estaria voltando à época dos amistosos “me engana que eu gosto”, realizados em grande escala durante a passagem de Zagallo pela casamata canarinha na segunda metade da década de 1990. Equipes de pouca expressão enfrentavam a Seleção, eram derrotadas e os resultados positivos mascaravam as deficiências existentes na preparação para a Copa do Mundo de 1998, além de manter Zagallo inviolável em seu cargo.

Contudo, não é o que acontece com o confronto com Gabão. O simpático país africano, um dos mais desenvolvidos da chamada África Subsaariana, têm uma ligação histórica com o Brasil. Mais do que as cores verde, amarela e azul de sua bandeira ou seu nome de origem lusófona possam sugerir. Brasil e Gabão estiveram unidos por mais de 400 milhões de anos.
O polêmico e desconhecido adversário da seleção brasileira em 11/11/2011
Quem assistiu à Família Dinossauro bem se recorda que os Silva Sauro viviam na Pangea. Esse é conhecido como o supercontinente que, no passado, aglutinou todas as massas continentais que hoje conhecemos. No entanto, ao longo dos 4,6 bilhões de anos de história do planeta, outros supercontinentes existiram e se dividiram em pequenas porções de terra ao longo do globo, num fenômeno chamado Ciclo de Wilson e compreendido através de correspondências fossilíferas em diferentes partes da Terra e da dinâmica das placas tectônicas.

Há cerca de 540 milhões de anos, formas pluricelulares de vida se espraiaram pelo planeta, no fenômeno chamado Explosão de Vida do Cambriano, dando um aspecto parecido à Terra como a conhecemos atualmente. No começo desse novo éon, um grande continente egresso da fragmentação do supercontinente Pannotia passou a ocupar o Hemisfério Sul do planeta: Gondwana. Esse continente aglutinava o que hoje conhecemos como América do Sul e África e deu início à ligação entre os países protagonistas desse texto.
Habitantes na época em que Brasil e Gabão estavam unidos
Durante a Era Paleozóica (entre 540 e 250 milhões de anos), Gondwana derivou entre o Pólo Sul e a Linha do Equador, inclusive sendo coberto por extensas geleiras, evidenciadas pelas estrias glaciais encontradas em Witmarsum, no Paraná. Esse continente foi testemunha da evolução da vida no planeta, com o surgimento de insetos, peixes, anfíbios, répteis e plantas. No final da Era Paleozoica, as outras massas continentais existentes se juntaram novamente a Gondwana e formaram o famoso Pangea.

O supercontinente citado acima teve seu desenvolvimento concomitante à expansão dos dinossauros, esses amáveis répteis de camisas xadrez que dominaram a Terra por quase 200 milhões de anos. Mas como acontece com todo supercontinente, ele começa a se desagregar. No início do período Cretáceo, há 140 milhões de anos, um extenso evento vulcânico deu início à separação entre América do Sul e África e, desde então, Brasil e Gabão têm estado separados pelo Oceano Atlântico.

O vulcanismo que originou essa separação se sucedeu por cerca de 10 milhões de anos e dá forma aos basaltos da Formação Serra Geral. No oeste dos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, a herança desse vulcanismo se dá pelo solo fértil e avermelhado da região. Os dinossauros, por sua vez, resistiram até o fim da Era Mesozoica, quando a queda de um meteoro engatilhou a segunda maior extinção em massa da história terrestre, levando pelos ares 75% das espécies então existentes.


Parque Nacional Aparados da Serra contém evidências do vulcanismo da Formação Serra Geral
Algumas reconstruções paleogeográficas dão conta de que o Gabão fazia fronteira com o que atualmente são os estados da Bahia e do Sergipe. Muitas características do Gabão se assemelham ao Brasil: seu clima equatorial – com 6 meses de seca e 6 meses de chuva,  como acontece no Norte do Brasil –, suas extensas florestas – como a Amazônica –, suas cavernas e sumidouros – encontrados no Vale do Ribeira e Centro-Oeste – e recursos naturais – petróleo, urânio e quedas d’água.

No programa Redação Sportv, na semana passada, André Rizek disse que gostaria que o Brasil não enfrentasse países com regimes ditatoriais (a mesma família está no poder desde 1967) – até porque a CBF é um exemplo de democracia e respeito à ética profissional. Se soubesse dessa história antes, talvez saudasse esse amistoso cheio de significado histórico. É o futebol reunindo irmãos separados pela tectônica de placas.


* Futuro geólogo, direto de Curitiba (PR), colaborador especial do Carta.

Comentários

Anônimo disse…
cara, que nerd esse texto.. vc é gay?
Vicente Fonseca disse…
Com certeza, cara. Coisa de macho é comentar como anônimo.
Igor Natusch disse…
É como dizem os ingleses: se você não entende uma ironia, é porque você não a merece. Que coisa triste, caro anônimo. Sempre espero maior CAPACIDADE INTELECTUAL das pessoas, mesmo que elas não tenham nome.

(o parágrafo acima contém ironia, aliás)

No mais, CHOREI DECALITROS lendo esse texto. Plena genialidade. Nunca mais criticarei os critérios da CBF.
vine disse…
Santa Bogeografia!
André Kruse disse…
Bah, os amistosos da época do Zagallo eram de chorar. O mais importante era garantir a reportagem com "= treze letras" no final.

Acho que as pessoas esperam demais do André Rizek. É um "one-hit-wonder" do jornalismo com aquela matéria sobre a mafia do apito
Vicente Fonseca disse…
O mais importante era garantir a reportagem com "= treze letras" no final.

HAHAHA. Pior que é verdade! Não sei como chegou na final da Copa do Mundo com tanta galhofa.
zeh nascimento disse…
BRASIL NA FINAL tem treze letras.

e que texto genial.
Há cerca de 540 milhões de anos, formas pluricelulares de vida se espraiaram pelo planeta...

Perdi meus cinco sentidos nesta frase. To tentando me recuperar ainda.
vine disse…
A Gondwana não veio APÓS a Pangeia???
Zezinho disse…
Gondwana é o nome genérico dado ao que formava América do Sul e África. Então ele existiu tanto antes quanto depois da Pangea
Menezes disse…
QUE POST, senhores! Parabéns.

Em tempo: aguardo as desculpas dos membros do Carta na Mesa (em especial Igor) que desdenhou o Gabão, ignorando a recente boa campanha nas eliminatórias africanas do time.

Na época lembro de ter vivido a FEBRE DO GABÃO, contagiado pelo futebol pos PANTERAS.
Igor Natusch disse…
Se desdenhei, devia estar BÊBADO ou em INSANIDADE TEMPORÁRIA. Peço absolvição.

Em primeira mão: VdeP acaba de me dizer que devo estudar na FACCAT. Sugestões de curso, moçada?
vine disse…
Geologia... óbvio...
Igor Natusch disse…
Farei a matrícula semana que vem.