Porque o Maracanã, amigos, é logo ali

Imagino que Deon McCaulay tenha saído consagrado do Ato Boldon Stadium, em Couva, pequena cidade de Trinidad and Tobago pouco acostumada a receber jogos internacionais. Afinal de contas, a atuação do camisa 9 aí do lado foi espetacular. Jogando de forma ofensiva, marcou nada menos do que três gols, fora de casa, enchendo de gritos a tarde caribenha. Foi o grande nome de Montserrat 2x5 Belize, partida que abriu a primeira fase dos qualificatórios da CONCACAF e, por tabela, inaugurou a disputa que culminará na definição das 32 seleções que visitarão o Brasil daqui a três anos. Não há dúvida que Deon McCaulay tem todos os motivos para estar feliz: no momento, é o artilheiro das eliminatórias para a Copa 2014.

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O craque belizenho tem 23 anos e atua pelo Deportes Savio, oitavo colocado entre dez clubes no último Clausura de Honduras. Com as três buchas marcadas contra Montserrat, McCaulay tornou-se também o maior artilheiro da história de sua seleção, com sete gols. Pode parecer pouco, mas não deixa de ser uma conquista, visto que a seleção de Belize reúne-se muito raramente para partidas internacionais. O primeiro jogo da história de Belize foi uma derrota de 3 a 0 para El Salvador em 1995, e a seleção nacional nunca alcançou vaga sequer na Copa de Ouro da CONCACAF, que dirá algo remotamente próximo de uma Copa do Mundo. O FFB Field, estádio do Belmopan Blaze, é o único do país capaz de abrigar partidas dentro dos padrões FIFA - antes dele, Belize simplesmente não podia sediar jogos oficiais em seu território.

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Apesar de ter um campeonato nacional razoavelmente consolidado, o próprio futebol é um conceito meio mambembe em Belize: a maioria dos clubes não assina contratos com os atletas, pagando-os por jogo, algo que se estende aos compromissos internacionais de sua seleção. Aliás, falar de clubes tradicionais em Belize é meio difícil, já que a maioria deles dura apenas algumas temporadas e fecha as portas logo em seguida. Ou seja, considerando as circunstâncias, destacar-se na seleção nacional e vestir as cores de um clube estrangeiro, mesmo de terceira linha para baixo, não deixa de ter o seu valor.

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E se Belize não é lá essas coisas, o que dizer de uma seleção que toma uma goleada, ao natural, de um adversário desses? Pois é, amigos: Montserrat é nada menos que uma das federações de pior desempenho entre todos os filiados da FIFA, derrotada de forma notória pelo Butão por 4 a 0 no jogo entre as duas piores seleções do mundo, em 2002. Partida, aliás, imortalizada no sensacional documentário "The Other Final" (A Outra Final), uma verdadeira pérola para quem, como todos nós, ama a vida e o futebol. Seja como for, Montserrat é um país em ebulição, no sentido mais literal possível: o vulcão Soufriere Hills está em erupção ininterrupta desde 1995, tendo coberto de lava e cinzas a então capital Plymouth e transformado a metade sul da ilha em território inabitável. A população do país debandou (hoje, menos de 6 mil pessoas moram no território), a capital foi abandonada (o vilarejo de Brades é a sede temporária do governo, enquanto aprendizes de Oscar Niemeyer constroem uma nova capital no norte do país) e é claro que o futebol não sairia ileso dessa situação, uma vez que a ilha não sedia um campeonato oficial desde 2004.

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Considerando as circunstâncias, o fato de ainda existir uma seleção nacional em Montserrat já é uma vitória. Na verdade, a seleção registra três resultados positivos em sua história - duas vitórias e um empate, todos obtidos contra a igualmente paupérrima seleção da Anguilla. Fora isso, só derrotas - incluindo acachapantes goleadas do tipo 11 a 0 contra São Vicente e Granadinas na Copa Caribenha de 1995 (com direito a seis gols do centroavante Rodney Jack) e 13 a 0 contra Bermuda em 2004, nas qualificatórias para a Copa de 2006. Como todo cidadão de Montserrat conta com dupla cidadania britânica, vários dos craques do país jogam em clubes da Inglaterra ou da Irlanda. Não que isso diga muita coisa - afinal, não estamos falando de times da Premier League, e sim de clubes como Wealdstone e Loughborough Dynamo, que disputam com galhardia competições equivalentes a uma oitava ou nona divisão no complexo calendário futebolístico do país.

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Pois foram essas duas gloriosas seleções que tiveram a honra de abrir os trabalhos que, daqui a 35 meses, desembocarão em emocionantes cotejos nos reformados e superfaturados estádios de Pindorama. Foi a primeira vitória de Belize nos últimos treze jogos, resultado que manteve a escrita de Montserrat, que não vence um joguinho internacional desde o distante 1995. Aliás, tecnicamente falando, Montserrat jogou em casa - a partida, como citado no início do texto, deu-se em Trinidad e Tobago, já que a combalida ilha, pelos motivos que já explicamos, não tem espaço físico para sediar uma partida de tal magnitude. Belize saiu ganhando, com a primeira bucha do que seria o "hat-trick" de Deon McCaulay. Montserrat chegou a empatar, cortesia de Jaylee Hodgson - que estreou bem na seleção de seu país, fazendo os dois gols do verde-branco no jogo, os primeiros do país desde 2008. Mas creio que possamos dizer que a melhor estrutura de Belize acabou prevalecendo, não havendo grandes surpresas no razoavelmente dilatado placar final.

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No domingo, será disputada a segunda perna desta decisão de dois jogos, desta vez na capital belizenha, Belmopan. O favoritismo de Belize é total, e dificilmente teremos algum tipo de revés que impeça a classificação dos Jaguares para a próxima etapa. No dia 29, começam também as emoções na Ásia, com nada menos que oito jogos: Camboja x Laos, Nepal x Timor Leste, Sri Lanka x Filipinas, Mongolia x Myanmar, Afeganistão x Palestina, Bangladesh x Paquistão, Vietnã x Macau e Malásia x Taipei. Na região da CONCACAF, os próximos confrontos ocorrem no começo de julho, envolvendo Ilhas Turcs e Caicos x Bahamas e Ilhas Virgens Americanas contra seus xarás britânicos. É um começo tímido, claro, mas já trepidante de futebol - sem estádios luxuosos, sem cobertura televisiva, patrocínios ou qualquer outro requinte do tipo, mas repleto da paixão que torna possível, mesmo nos terrenos mais longuinquos e inóspitos, o futebol. Começou bem, a Copa 2014: em bons pés e cheia de sentimentos louváveis. Que siga assim até o fim, da melhor forma que nos for possível.

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Fotos: Frederick Dubray / AFP Photo / FIFA

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ATUALIZAÇÃO: falamos acima que "só um revés" poderia tirar Belize da próxima fase. Então lá vai: em decisão anunciada hoje (17), a FIFA suspendeu a federação e proibiu a participação de Belize em jogos internacionais. A alegação é de "severa intervenção governamental". Explicando: o Ministério dos Esportes de Belize declarou que a FFB, que controla o futebol do país, não estaria autorizada a representar o país em jogos internacionais. A FIFA não gostou da pressão sobre uma de suas filiadas, e deu um prazo para que a questão fosse resolvida, sob pena de excluir o país de todas as suas competições. Em represália, o governo de Belize disse que não iria fornecer forças policiais para o jogo de domingo, já que está em litígio com a entidade que o organiza. Com isso, a partida de volta entre Belize e Montserrat está suspensa até que a decisão do governo belizenho seja revertida. O prazo final para a realização do jogo é 10 de julho - se o jogo não ocorrer até lá, Belize está fora da Copa e Montserrat avança.