Fantasmas de uma Batalha sem fim
No decorrer da entrevista coletiva concedida logo após a dolorosa derrota gremista diante do Universidad Católica, Paulo Odone tentou animar a torcida, dizendo que ainda é possível a classificação, que vencer no Chile não é missão impossível e por aí vai. Durante seu discurso, acabou lembrando da infelizmente nunca esquecida Batalha dos Aflitos, citando o acontecido como exemplo de que tudo é possível para o Imortal Tricolor.
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Concordo com ele em um ponto: a fantasmagórica vitória sobre o Náutico no distante 2005 serve sim como um exemplo. Mas não no sentido positivo que Paulo Odone quis aplicar na torcida gremista. É, isso sim, exemplo de todas as coisas erradas que o Grêmio tem feito nessa década, e da única fórmula que tem sido empregada para tentar resolver esses problemas: uma mistura indigesta de esforço extremo, autismo e raciocínio mágico. Uma poção mágica na qual sempre acabam faltando dois ingredientes fundamentais para qualquer time vencedor: planejamento e, especialmente, futebol.
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Despida de todo o heroismo, a Batalha dos Aflitos foi um último e dramático ato no festival de incompetências que fez o Grêmio desabar para a segundona pela segunda vez em sua história - e que teve sim reflexos na campanha para o retorno à elite, marcada por contratações questionáveis e por maus resultados em partidas decisivas. Não foi uma conquista, pelo contrário - foi o encerramento dramático e catártico de uma grande vergonha coletiva. Podia, inclusive, ter sido muito positivo para o futuro, caso tratado do modo correto. Foi comemorado, de forma muito justa e adequada, nos dias seguintes à improvável vitória. A partir daí, virou um exagero absurdo de cânticos, hinos, livros e DVD, até transformar-se no que é hoje: um fantasma que insiste em puxar o pé dos gremistas, sempre atrapalhando o futuro e prendendo o Grêmio a um modelo que não vai trazer títulos tão cedo - possivelmente, nunca.
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Dito isso, torna-se um exercício do absurdo citar essa partida como exemplo do que deve ser feito para avançar na Libertadores da América. Para ganhar um título continental, temos que buscar uma simbologia totalmente oposta - uma cartilha que leve em conta planejamento estratégico, contratações criteriosas, trabalho sério e abnegado durante um tempo muito maior do que a pré-temporada de cada ano. Um modelo, aliás, que dispensaria demonstrações estrondosas de heroismo exacerbado, como a que será necessária caso o Grêmio queira estender um pouco mais a sua agonia na competição continental.
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Mais do que inadequado, citar a Batalha dos Aflitos para animar a torcida em uma Libertadores beira a vergonha coletiva. É um sinal eloquente de como estamos, todos os gremistas, tremendamente equivocados e fazendo tudo errado por anos a fio. Mostra com clareza que estamos fora de foco, valorizando a raça e a vitória contra tudo e todos como se ela fosse o ponto principal, e não apenas um dos muitos aspectos de um time vencedor. A Batalha dos Aflitos não deveria ser um símbolo do que buscamos, mas justamente o contrário: um sinal inesquecível do que não queremos ser nunca mais. Mas continuamos invocando o tormento, continuamos querendo a redenção no último momento, continuamos achando que vitória boa é a que desafia toda e qualquer lógica do futebol. E, por meio dessas vitórias, continuamos fracassando.
Comentários
Se é para morrer na praia e viver de ‘imortalidade’, que não se gaste R$ 3 milhões/mês com esses jogadores. Que se forme times baratos, então. Porque o mínimo que se espera de um time com esse investimento é FUTEBOL e ORGANIZAÇÃO TÁTICA. Salada essa eu já vi igual com Silas e Mancini, recentemente.
Já que estamos há 10 anos morrendo na praia – e pau no c* de quem chama o Grêmio de ‘Imortal’ ou os gremistas de ‘imortais’; nós somos tricolores e ponto -, que passe quatro anos no LIMBO, fazendo times de guris e refugos, times baratos, pra pagar dívidas, construir a Arena e arrumar a casa. Voltar a formar CARÁTER e um time de FUTEBOL
Não acho que estamos fazendo tudo errado. Estaríamos "morrendo em alto mar" se estivessemos tremendamente equivocados e não "na praia" como bem salientou o Zezinho.
Eu acho que o Grêmio (aqui no sentido amplo de direção, torcida e etc..) está com dificuldade de fazer o diagnóstico da situação. E antes de fazer o diagnóstico não é possível prescrever o tratamento.
A imortalidade, a raça, o heroísmo, eram um maravilhoso pano de fundo para o principal: um grande time de futebol. Foi assim em 1995. Quem acha que aquele time era só o Dinho dando carrinho, o Adílson berrando com a zaga e o Jardel fazendo gol de cabeça não viu aquela equipe ou não entende nada de futebol.
Não existe raça que compense o fato de termos apenas uns dois ou três jogadores de qualidade, vários medianos que podem render em um time entrosado e outros sem a menor chance de vestir a camisa do Grêmio.
A complementar, o Grêmio está caindo no velho erro raça x futebol. Por futebol, entenda-se, jogadores bons e competentes, planejamento, tática, aquela coisa.
Em geral, quando o Grêmio ganhou exacerbando a raça, o que resolveu foi o futebol. Até mesmo nas vitórias mais simbólicas. Afinal de contas quem fez o gol nos Aflitos? Não foi o único que jogava algo naquele time?
Abraço
Aliás eu, se pudesse, apagaria esse post.
O problema é o pensamento mágico que o discurso do Odone trouxe, e que realmente traduz a maneira como alguns gremistas encaram qualquer adversidade. Na verdade, ficar invocando qualquer jogo - inclusive o Mundial de 83! - para servir de alento perante uma situação como a atual é quase tão patético quando falar do site e do ônibus. Mas abraço o texto pela mensagem de que é necessário sairmos um pouco do lugar comum de que só é Grêmio se for difícil, se for impossível, se for jogando mal, se for desacreditado, se precisar de um milagre.
São TRISTIES (VdP imbatível) estas situações recentes do Grêmio.
(E muito boa a corneta do Batata =p)
Quanto à colocação do Kruse, respeito e até concordo em boa medida. Mas gostaria de dizer que a intensidade dos erros e dificuldades me parece acessória: o fato é que eles se repetem anos a fio. Falta sempre o passo à frente, o gesto na direção certa. Tudo o que quase conquistamos, afora o problema de ser sempre quase, tem o gosto de ser algo meio contra a lógica, na marra, empurrando os problemas com a barriga até onde der. Não é o que senti em 1995, por ex: aquele era um time que sempre senti que venceria. A deliciosa confiança que sentia em 2001, quando ganhamos o último título nacional, é algo que eu NUNCA MAIS senti em time nenhum do Grêmio - o mais perto, aliás, talvez tenha sido ano passado, na arrancada após a chegada de Renato. Esse sentimento nos desertou, e estamos há anos tentando substituí-lo por subjetivismos - algo que já está mais do que escancarado que, sozinho, não funciona e jamais vai funcionar.
Nem vou entrar.
Só vim, então, para registrar que sou mais um gremista que assina embaixo em tudo que diz o texto do Igor.
O mito e o folclore da imortalidade é legal, faz parte do futebol. Mas é mito e folclore, e não o futebol em si. Isso não ganha título, e nós gremistas sabemos muito bem.
Falta gente que enxergue futebol, que saiba quanto vale investir, quanto vale pagar por cada proficional.
me pessaram teu texto por email, e quando vi teu nome, nao pude deixar de comentar. Grande texto! só temos que arrumar um jeito para que o Odone tb leia, e pare de se esconder atrás de feitos que não foram tão grandes assim.
Abs