Uma noite que já dura 15 anos
Há exatos 15 anos, o Grêmio pintava a América de azul pela segunda vez. Na noite de 30 de agosto de 1995, o Estádio Atanásio Girardot, em Medellín, testemunhava um dos principais momentos da história gremista. O empate em 1 a 1 com o Nacional de Medellín, além de levar o tricolor a Tóquio pela segunda vez, coroava um projeto de longo prazo que começou tirando o clube do buraco da Série B (1992) para ganhar primeiro o Rio Grande do Sul (1993), depois a Copa do Brasil (1994) e, agora, a hegemonia continental, 12 anos após o glorioso ano de 1983.
Em homenagem a esta importante data, o Carta na Manga recupera passo a passo aaquela histórica caminhada que levou o time de Luiz Felipe Scolari ao topo do futebol sul-americano. Recomendamos também o excelente blog feito pelo André Kruse, que traz um panorama ainda mais completo sobre aquele título. Quase todos os vídeos que ilustram este texto foram postados por ele no YouTube, aliás.
Um elenco experiente
Luiz Felipe chegou para o lugar de Cassiá, campeão gaúcho em 1993, mas desentendido com a diretoria. Fez uma campanha aquém das expectativas (13º entre 32) naquele Brasileirão, pelo investimento feito no elenco. Em 1994, a ideia era apostar nas categorias de base e aliar os jovens a jogadores experientes e rodados. Danrlei, Roger, Jamir, Emerson e Carlos Miguel foram unidos a Ayupe, Paulão, Agnaldo, Pingo, Fabinho e Nildo na montagem do time campeão da Copa do Brasil, vitória por 1 a 0 sobre o Ceará, no Olímpico.
O Campeonato Brasileiro serviu como teste para saber quem ficaria para os desafios do próximo ano. A campanha apenas mediana (14º lugar) contrastava com o supertime do Palmeiras, bicampeão nacional e adversário na Libertadores. Seria preciso trazer nomes de personalidade para mesclar aos jovens que faziam sucesso. Assim, vieram os paraguaios Arce, uma promessa, e Rivarola, este mais experiente, da seleção nacional, mas que chegou apenas para a segunda fase. Completariam a defesa com Adílson, zagueiro de qualidade, que integrou a seleção brasileira no início da década. Dinho, bicampeão mundial pelo São Paulo, formaria o meio com Luiz Carlos Goiano, que estava quase esquecido no Remo, mas tinha as virtudes táticas que pedia Felipão. Vagner Mancini era a aposta para a criação ao lado de Carlos Miguel, já que Emerson se lesionara gravemente na primeira partida do ano, um 5 a 2 sobre o Brasil de Farroupilha, pelo Gauchão. Arílson, entretanto, é que viraria titular.
A dupla de frente teria Magno, do Flamengo, e Nildo, herói do título da Copa do Brasil, que se lesionou no começo do Campeonato Brasileiro e estava de volta. Entretanto, já nos primeiros treinos Paulo Nunes, trazido como contrapeso na contratação de Magno, se destacava em dupla com o centroavante Jardel, trazido como alternativa para Nildo, já que pouco se sabia da real capacidade física do titular – o qual, aliás, mostrou-se acima do peso a temporada toda. A estreia contra o Palmeiras, marcada inicialmente para o Olímpico, foi transferida para o Palestra Itália. O clube paulista tinha a preferência por atuar as três últimas partidas da primeira fase em casa, mas abriu mão deste direito, passando-o ao Grêmio.
PRIMEIRA FASE
Palmeiras 3 x 2 Grêmio – São Paulo – 21/02/1995
O Grêmio fez uma boa estreia, atuando de igual para igual com o Palmeiras, que chegava como favorito. Saiu perdendo, gol de Roberto Carlos, numa falta quase do meio de campo acertada com extrema violência. Jardel empatou no fim do primeiro tempo, em cruzamento de Carlos Miguel. No início da etapa final, Rivaldo fez 2 a 1 para os paulistas em corta-luz sensacional de Edmundo, mas Goiano empatou a seguir, de falta. Edmundo, melhor jogador em campo, decretou o 3 a 2 em maravilhosa jogada coletiva, que poderia ter sido 3 a 3 se Cláudio Vinícius Cerdeira não ignorasse pênalti claro de Antônio Carlos em Carlos Miguel.
Grêmio: Danrlei, Arce, Luciano, Adílson e Roger; Dinho, Goiano, Vagner Mancini (Magno) e Carlos Miguel; Paulo Nunes e Jardel.
Emelec 2 x 2 Grêmio – Guayaquil – 14/03/1995
O segundo jogo da Libertadores ocorreu dez dias após uma viagem ao Japão, onde o tricolor disputou a Taça Amizade contra o Verdy Kawasaki, vencendo por 2 a 1. Mesmo diante do cansaço das longas viagens, o tricolor arrancou um empate com o bicampeão equatoriano, numa grande noite de Danrlei – apesar de ter falhado no segundo gol do adversário. O time de Luiz Felipe ficou duas vezes atrás no placar, mas soube reagir com gols de Paulo Nunes e Jardel, este em incrível trapalhada da zaga.
Grêmio: Danrlei, Arce, Wagner Fernandes, Luciano e Roger; Dinho, Goiano, Wagner Mancini (Alexandre Gaúcho) e Carlos Miguel; Paulo Nunes e Jardel.
Nacional-EQU 1 x 2 Grêmio – Quito – 17/03/1995
A primeira vitória não foi uma vitória qualquer: foi a primeira derrota do Nacional de Quito em Libertadores nos últimos 16 anos. Jogando a 2.800 metros acima do nível do mar, no forte sol do meio-dia, o Grêmio conquistou um excelente 2 a 1 que o deixou em situação muito cômoda na tabela, já que teria as três últimas partidas no Estádio Olímpico. Arce fez os dois gols, um de falta e outro de pênalti. O atacante Paulo Nunes chegou a desabar em meio a uma arrancada no fim do jogo, devido à falta de oxigênio.
Grêmio: Danrlei, Arce, Luciano, Adílson e Roger; André Vieira, Goiano, Vagner Mancini (Alexandre Gaúcho) e Carlos Miguel (Wagner Fernandes); Paulo Nunes e Jardel.
Grêmio 0 x 0 Palmeiras – Porto Alegre – 23/03/1995
No primeiro jogo em casa na Libertadores, mais de 43 mil pessoas lotaram o Olímpico para a revanche contra o Palmeiras. O jogo foi extremamente equilibrado, com poucas chances de gol. Este ficou conhecido como o jogo onde o zagueiro Luciano anulou Edmundo, grande estrela do time paulista.
Grêmio: Danrlei, André Vieira, Luciano, Adílson e Roger; Dinho, Goiano, Arílson (Carlos Alberto) e Alexandre Gaúcho; Paulo Nunes (Magno) e Jardel.
Grêmio 4 x 1 Emelec – Porto Alegre – 31/03/1995
Uma bela atuação classificou o Grêmio às oitavas-de-final com uma rodada de antecipação. Na base da bola aérea, Jardel, Luciano e Paulo Nunes abriram 3 a 1 no primeiro tempo, placar complementado no segundo em um contra-golpe puxado por Magno. Foi o primeiro jogo de Arílson na Libertadores, para não mais sair do time, após apagadas atuações de Vagner Mancini.
Grêmio: Danrlei, Arce, Luciano, Adílson e Roger; Dinho, Goiano, Arílson e Carlos Miguel; Paulo Nunes (Magno) e Jardel (André Vieira).
Grêmio 2 x 0 Nacional-EQU – Porto Alegre – 07/04/1995
Já classificado e sem chances de chegar à liderança, o Grêmio escalou um time misto na última partida da primeira fase, contra o já eliminado Nacional de Quito (detalhe para a camisa horrorosa do time equatoriano). A prioridade era o confronto contra o Palmeiras, pela Copa do Brasil, que viria quatro dias depois. Mesmo poupando esforços, fez 2 a 0, gols de Jaques e Magno. Os cruzamentos da segunda fase colocavam os paraguaios do Olímpia na vida gremista.
Grêmio: Danrlei, Arce, Luciano, Scheidt e Roger (Jé); Dinho, Goiano, Arílson e Alexandre Gaúcho (Jaques); Paulo Nunes e Magno.
OITAVAS DE FINAL
Olímpia 0 x 3 Grêmio – Assunção – 25/04/1995
Afirmado após a boa primeira fase e por ter eliminado o Palmeiras de forma heroica na Copa do Brasil, o Grêmio foi ao Defensores del Chaco realizar uma das melhores atuações de sua história. Não apenas venceu, como goleou o Olímpia do técnico Luis Cubilla por 3 a 0 e voltou praticamente classificado do Paraguai. Dinho abriu o placar com um sem-pulo que lembrou o golaço de China contra o Bolívar, em 1983, o que muitos já indicavam como prenúncio do título. Jardel e Paulo Nunes, ambos no segundo tempo, ampliaram a vantagem.
Grêmio: Danrlei, Arce, Luciano, Adílson e Roger; Dinho, Goiano, Arílson e Carlos Miguel; Paulo Nunes (Magno) e Jardel (Vagner Mancini).
Grêmio 2 x 0 Olímpia – Porto Alegre – 03/05/1995
A goleada no Paraguai era fundamental para dar uma folga ao grupo. Dois dias após o duelo com o Olímpia, no Olímpico, haveria o São Paulo, no Pacaembu, pela Copa do Brasil. Nem o calendário maluco e mal feito impedia o tricolor de prosseguir adiante. Com Paulo Nunes em destaque, foram Jardel e Adílson quem marcaram os gols na noite que marcou a estreia do zagueiro Rivarola.
Grêmio: Danrlei, Arce, Luciano, Adílson e Roger; Dinho, Goiano, Arílson (Rivarola) e Carlos Miguel; Paulo Nunes e Jardel.
QUARTAS DE FINAL
Grêmio 5 x 0 Palmeiras – Porto Alegre – 26/07/1995
A pausa para a Copa América do Uruguai resultou em quase três meses de interrupção da Libertadores. O Grêmio já era um time plenamente afirmado, vice-campeão da Copa do Brasil, de modo que o Palmeiras não entrava como favorito desta vez. Foi uma noite inesquecível para o ínfimo público de 16 mil pessoas que foi ao Olímpico enfrentar o frio. Rivaldo, após pisar em Rivarola, foi para o chuveiro mais cedo, logo aos 14 minutos. Onze minutos depois, Dinho e Válber trocaram socos e foram expulsos, deixando o clima tenso. O Grêmio aproveitou a instabilidade emocional palmeirense e aplicou um histórico 5 a 0, gols de Arce, Arílson e três de Jardel. Se antes mesmo das expulsões o time gaúcho já pressionava, depois delas virou massacre. Jogo mais emblemático de toda a campanha
Grêmio: Danrlei, Arce (Scheidt), Rivarola, Adílson e Roger; Dinho, Goiano, Arílson e Carlos Miguel; Paulo Nunes e Jardel (Nildo).
Neste vídeo, as expulsões da noite no Olímpico.
Palmeiras 5 x 1 Grêmio – São Paulo – 02/08/1995
Sem Danrlei, suspenso após a confusão do jogo anterior, e Dinho, expulso, o tricolor teve de improvisar Adílson como volante e promover a entrada de Murilo, com o dedo quebrado, no gol. Jardel abriu o placar logo no início, mas o Palmeiras fez 2 a 1 ainda no primeiro tempo. Na base da persistência, os paulistas buscaram um gol atrás do outro, e chegaram ao 5 a 1 com mais dez minutos de partida por jogar, mas o Grêmio conseguiu resistir ao fiasco de ser eliminado depois de abrir toda aquela vantagem.
Grêmio: Murilo, Arce, Rivarola, Scheidt e Roger; Adílson, Goiano, Arílson (André Vieira) e Carlos Miguel; Paulo Nunes (Vagner Mancini) e Jardel (Nildo).
SEMIFINAIS
Emelec 0 x 0 Grêmio – Guayaquil – 10/08/1995
Jogando no calor do meio-dia, o Grêmio soube segurar um velho conhecido da primeira fase fora de casa e trazer a vantagem de decidir em Porto Alegre. O Emelec teve as melhores chances, mas não foi o suficiente para furar o bloqueio gaúcho.
Grêmio: Danrlei, Arce, Rivarola, Adílson e Roger; Dinho, Goiano, Vagner Mancini (Alexandre Gaúcho) e Arílson (Luciano); Paulo Nunes e Jardel.
Grêmio 2 x 0 Emelec – Porto Alegre – 16/08/1995
Campeão gaúcho com o time reserva, o Grêmio vivia grande fase técnica. Massacrou o Emelec com um futebol vigoroso e envolvente, de modo que o 2 a 0 saiu barato. Paulo Nunes fez um golaço em tabela com Jardel, que ampliou a seguir. O time voltava à final da Libertadores, 11 anos depois.
Grêmio: Danrlei, Arce, Rivarola, Adílson e Roger (Vagner Mancini); Dinho (Luciano), Goiano, Arílson e Carlos Miguel (Alexandre Gaúcho); Paulo Nunes e Jardel.
FINAL
Grêmio 3 x 1 Nacional Medellín – Porto Alegre – 23/08/1995
O Nacional foi recebido como adversário na grande final num misto de alívio (por ter eliminado o River Plate) e preocupação (por ter eliminado o River Plate). A primeira partida mostrou um Grêmio implacável em todos os aspectos. Higuita salvava o time colombiano até o zagueiro Marulanda marcar contra, aos 36 minutos. Jardel ampliou aos 42. No começo do segundo tempo, Paulo Nunes fez o terceiro, e pintava uma goleada histórica. Entretanto, Angel descontou, colocando sob tensão o Olímpico: apesar da grande atuação, a vantagem era menor do que o time podia obter, pelo que jogou. Seria suficiente para o bicampeonato?
Grêmio: Danrlei, Arce, Rivarola, Adílson e Roger; Dinho, Goiano, Arílson (Alexandre Gaúcho) e Carlos Miguel (Nildo); Paulo Nunes e Jardel.
Nacional Medellín 1 x 1 Grêmio – Medellín – 30/08/1995
O Grêmio começou levando pressão. O gol de Aristizábal, logo aos 12 minutos, tocaram o terror na torcida, ainda mais porque Jardel perdera grande chance de abrir o placar logo antes. Entretanto, mesmo sem jogar bem, o Grêmio equilibrou o jogo e não correu muitos riscos. No final, Alexandre Gaúcho invadiu a área e foi derrubado. Dinho cobrou o pênalti. Aos 41 minutos do segundo tempo, à meia-noite de 30 para 31 de agosto de 1995, o Grêmio conquistava a Taça Libertadores da América pela segunda vez.
Comentários
Deixa eu CHORAR CONVULSIVAMENTE ali do lado que já volto para ler o post com mais atenção... =~
Estive no Atanásio Girardot em janeiro desse ano. Me deixaram entrar sozinho no estádio - lá não tem tour ou qualquer dessas coisas modernas. Fiquei uns bons minutos ao lado da goleira que o Dinho meteu o pênalti, imaginando toda a jogada que originou a penalidade. Imaginei o jogo inteiro. Fiquei no estádio, sozinho, em silêncio, quase uma hora e meia. Foi foda.
E, nesse exato momento, estou vestindo uma jaqueta do Nacional. Homenagem inconsciente ao time que nos deu nossa segunda Libertadores :)
Grato.
TIDSH (VdP efeito sonoro)
E vendo o vídeo da briga do Dinho com o Válber, me dei conta de uma coisa: eu vi o jogo na Band, e não na Globo.
O estádio estava VAZIO! Meu pai e eu chegamos com duas horas de antecedência porque achávamos que lotaria. A hora foi se aproximando, foi se aproximando, foi se aproximando, e se tinha metade da capacidade, foi muito...
Quanto ao título, foi no sentido de dizer que é uma noite inesquecível, e não que não tivemos mais times bons do Grêmio desde lá. O Grêmio teve outros times muito bons depois disso, especialmente esse de 2001 que tu citou.
Uma arquibancada, que custava R$ 8 na fase anterior, passou pra R$ 15.