O maldito jeitinho brasileiro

Antes do jogo contra o Fluminense, no último domingo, os santistas Robinho e Wesley brigaram como há tempos não se noticiava aqui no Brasil. O atacante da seleção quebrou o celular do companheiro, que revidou batendo com um taco de sinuca (!) no carro de Robinho. Caso até de polícia, dependendo de como os fatos prosseguissem. Que medidas o Santos tomou diante deste fato lamentável e selvagem?

Nenhuma, é a inacreditável resposta. Inacreditável? Só para os que têm bom senso, claro. Talvez não sejamos maioria, não neste país que eu ainda teimo em levar a sério.

Dorival Júnior, treinador do Santos, que já fraquejara em casos semelhantes envolvendo outros jogadores do elenco, lavou as mãos novamente. O problema, segundo ele, não foi a briga em si, mas o fato de a notícia ter vazado. O cúmulo da inversão de prioridades. O presidente do clube, Luís Álvaro Oliveira, disse que foi “uma discussão boba de casal”. Certo, temos visto ultimamente no futebol brasileiro que a relação de jogadores com suas parceiras não têm sido as mais saudáveis. Como discurso externo, nada a reclamar. Mas e internamente? O que foi feito? Nada, é a nova inacreditável resposta. Foram vistos treinando normalmente ontem, brincando, “são meninos”. Serão sempre meninos, aliás. Eternamente meninos. Eternamente mimados.

O Santos de 2010 tem se notabilizado por duas coisas. A primeira e mais evidente delas é o exuberante futebol que apresenta, especialmente seu setor ofensivo, do qual tanto Robinho como Wesley fazem parte. A segunda é que seus jogadores podem fazer o que bem quiserem. Desrespeitam orientações do técnico, reclamam quando são substituídos, fazem festa quando querem, quebram o celular ou o carro do companheiro num ataque de histeria. Nada disso, porém, é inédito por aqui. O futebol brasileiro tem a péssima mania de deixar tudo por isso mesmo, de que o craque pode fazer o que bem quiser. De achar que um mínimo de organização e disciplina é coisa de europeu chato, perna-dura, que não tem a malícia tupiniquim. E não é apenas fora de campo. Ou quem nunca ouviu alguém dizer que é um crime o craque ajudar na marcação, pois ele tem é que ser marcado?

O resultado pode ser visto na pele de um dos envolvidos no mais recente caso da Vila Belmiro: Robinho, um jogador mimado por todos no Brasil, chegou na Europa achando que teria lá todas as regalias que tem por aqui. Só que no Real Madrid, no primeiro dia de treinamentos, ele certamente viu quem mais pegava no batente: Raúl, simplesmente um dos maiores ídolos do clube merengue em todos os tempos. E não só em Santiago Bernabéu: em todo o Velho Continente seria assim. Foi assim no Manchester City também. E dê-lhe choro na sala do presidente, implorando para voltar ao Santos. Foi um fracasso fora do seu país de origem.

Não é só ele, claro. Trata-se apenas do exemplo mais próximo e evidente que dispus a conceder. Foi assim também com Adriano na Internazionale, e com vários outros. Será igualmente com Ganso e Neymar, se acharem que poderão xingar Rafa Benítez, Alex Ferguson, Arsene Wenger, José Mourinho e outros (menos cotados, inclusive) infantilmente por saírem do time durante uma partida – ou amargarem a reserva por um tempo. Eles simplesmente terão o que merecem, e o que precisam para aprender e manter a harmonia e seriedade dentro do elenco: um afastamento temporário dos treinos, um rebaixamento provisório ao time B ou, até mesmo, um empréstimo a um clube de menor expressão – quiçá da segunda divisão local. E aí virá o pedido para voltar à pátria-mãe gentil, que lhe fará carinho e passará a mão em sua cabeça a cada bobagem que fizer, como os pitboys mimados que vemos nos noticiários fazendo rachas pelas ruas brasileiras.

Não é à toa que uma vez um sábio (não lembro seu nome, mas era estrangeiro) disse: se o Brasil tivesse um mínimo de organização, ganharia todas as Copas do Mundo, pois tem material humano de sobra. Alguns dirigentes e treinadores (jornalistas esportivos idem) acham que proceder como faz o Santos é o correto, afinal, o clube está protegendo o craque. Freud talvez explique tamanha ignorância.

Comentários

Marcelo disse…
Impossível concordar mais.
Igor Natusch disse…
Onde assino?

Infelizmente, o Brasil é o país onde quem sabe chutar uma bola pode tudo.
Vicente Fonseca disse…
Mano Menezes a um passo da seleção, meus amigos, segundo PVC. Nem tudo estará perdido.
Felipe disse…
Belo texto. O Jeitinho Brasileiro, também conhecido como Lei de Gérson, é o maior mal do nosso país. Enquanto não nos livrarmos desta característica MALDITA, que é a marca do nosso povo, o Brasil continuará encontrando muitas dificuldades para crescer como nação.
vine disse…
O Brasil continuará encontrando muitas dificuldades para crescer como nação e continuará vendo jovens membros da elite intelectual indo pra cadeia por se acharem acima da lei e de todos ou por terem recebido um "NÃO"
Vicente Fonseca disse…
Concordo plenamente, Vine e Felipe, e obrigado pelos elogios.

VdP: BRIMOR. Tá, esse texto talvez não chegue a tanto...
Lourenço disse…
Ótimo texto, pauta, enfim.
Lembro que o Lucas disse que o Gerrard era o que mais treinava. Outro brasileiro também falou isso do Totti. Mas na real não me preocupa tanto se o macaco velho da equipe não se esforça tanto nos treinos ou tem algumas regalias. O brabo é ver gurizada subindo da base já com o nariz empinado, daí sim tudo está perdido.
Vicente Fonseca disse…
O problema é justamente esse mesmo, Lourenço.

Pior foi um dos jogadores do Santos dos anos 60 (não lembro qual, não quero cometer injustiças) defendendo o Ganso quando ele se rebelou contra aquela substituição do Dorival Júnior. Falou que "um cara com este tipo de atitude está fadado a vencer na vida". Eu penso justamente o contrário. É por isso que atitudes como estas no caso Robinho x Wesley são tomadas. O craque (neste caso, mais piá que craque) pode tudo.
Igor Natusch disse…
Exato. Essa do Ganso foi deprimente. O guri faz uma pataquada, desafia o treinador e alguns aparecem com argumentos tipo "craque de personalidade", "quis ficar porque sentiu que tava bem", "vontade de vencer" e absurdos do tipo. Não: o moleque fez uma molecagem, e ao invés de levar um pito passaram a mão na cabeça dele. É como eu dizia antes: sabe jogar bem, então pode tudo.

O cara não conquistou NADA, não tem absolutamente nenhuma faixa no armário e já chega deslumbrado e paparicado para os profissionais, pensando nas centenas de milhares de euros mensais que ganhará quando for para a Europa. É lamentável.