Esqueçam o Leitão

Alguns de vocês devem ter visto isso em algum site de notícias esportivas por aí. Ou em vários. O tablóide inglês The Sun, conhecidíssimo pela pouca sutileza com que aborda os assuntos que noticia, resolveu publicar artigo sobre o atacante Ronaldo, do Corinthians. E não fez nenhuma questão de disfarçar o teor da matéria, estampando já na chamada "Ron looks a prize porker" - algo tipo "Ronaldo parece um leitão de concurso". Citando treinos recentes do Corinthians, a breve nota presente no site do The Sun diz que nosso chapa está longe da forma longilínea de seus tempos de glória e que dificilmente voltará a ostentar o físico que o fez ser "o mais temido atacante de toda a Europa". Pouco delicado, mas tudo verdadeiro, sem dúvida. E, graças ao "fato novo" britânico, temos Gornaldo uma vez mais nas manchetes brasileiras, lembrando que ele não joga quase nunca, levantando a dúvida sobre sua presença na próxima partida e por aí vai.


Bom, eu não sei vocês, mas para mim essa conversa toda sobre a borda recheada do Ronaldo já encheu o saco. E não apenas por ser notícia velha, e bem velha. Há tempos é notória a falta de embocadura do Fenômeno, agravada pela recuperação incompleta de sucessivas lesões e pelo desleixo do homem nos períodos em que ficava, por necessidade ou vontade própria, de molho. Da mesma forma, o "leitão" nunca foi bom conduzindo sua vida pessoal, como episódios já clássicos com VJs e travestis não nos deixam mentir.


Pela hipótese mais cínica e mais realista, Ronaldo é um descuidado, muito mais inteligente com os pés do que com o cérebro e que não consegue mais se comportar como profissional. Ok, estamos de acordo. Mas, de novo, onde está a novidade? Ainda mais importante do que isso: até que ponto é relevante essa preocupação com o tecido adiposo de Ronaldo? Ou dito de outro modo: quem realmente se importa? O próprio Ronaldo, pelo visto, não dá a mínima - afinal, segue rechonchudo e feliz, ganhando pequenas fortunas para jogar uma vez por mês, se isso. Adílson Batista, recém chegado e talvez por fora do estado de coisas no Corinthians, diz que conta com o atleta para as próximas partidas; do lado de cá, a gente pensa que sonhar não custa nada. O próprio clube não parece incomodado com a situação, já que a chegada do Fenômeno rendeu ao Corinthians visibilidade e, mais importante, dinheiro. Muito dinheiro: venda de camisas, espaços publicitários, direitos de exibição na TV e por aí vai. Ronaldo é nome tão famoso que jogar de fato nem faz tanta diferença assim - e a tranquilidade com que todos no clube encaram a situação do craque é sonora prova dessa realidade.


O próprio torcedor corintiano, que poderia ser prejudicado com essa coisa toda, pouco tem do que reclamar: o time lidera o Brasileirão, tem jogado bem e ostenta potencial real para ser campeão brasileiro no ano do centenário. Tudo isso sem ter Ronaldo quase nunca. Para a Fiel, perder Mano Menezes para a seleçao brasileira é sem dúvida muito mais significativo... Essa necessidade de noticiar cada vez que Ronaldo sobe na balança ou come uma coxinha com catupiry não passa de mais um sintoma mórbido da nossa imprensa esportiva, cada vez mais fascinada pelas variedades e cada vez mais distante do jogo (e da notícia) em si.


Enquanto Ronaldo e o Corinthians vão contando as cédulas, seguimos estampando em manchetes chamativas cada detalhe da briga de Ronaldo com a balança - briga que mais parece um relacionamento dos mais amistosos, aliás. E dando espaço para o Fenômeno, mantendo seu nome na mídia, tornando cada vez mais alto o valor da sua imagem e, consequentemente, ampliando os ganhos de clube e atleta com a exploração de merchandising. Pouco importa se Ronaldo joga ou não - pela carreira que construiu e pelo contrato que assinou com o Corinthians, isso já não faz a menor diferença, gostemos disso ou não. Está na hora de a gente também parar de esquentar a cabeça com isso. Foto: The Sun mostra Ronaldo, e a mídia brasileira vai atrás (Reprodução/The Sun)

Comentários

Vicente Fonseca disse…
Essa necessidade de noticiar cada vez que Ronaldo sobe na balança ou come uma coxinha com catupiry não passa de mais um sintoma mórbido da nossa imprensa esportiva, cada vez mais fascinada pelas variedades e cada vez mais distante do jogo (e da notícia) em si.

Uma Copa onde um polvo é a grande atração, e dezenas de fotógrafos se concentram em frente a ele para ver em qual potinho ele come, já exemplifica bem o que tu tá dizendo.
felipesfranke disse…
Esse bafafá com o Ronaldo me lembra as ondas de moralidade que pululam quando se fala do Maradona. "Quem são esses jogadores pra fazer isso", "tem que passar exemplo para as crianças", ou, pior, "preguiçosos, é só se cuidar e viver uma vida correta que terão o mundo aos seus pés".

Eu entendo esses argumentos e concordo, seria massa que todos ídolos fossem tiozões legais que só tomassem suco de laranja e, tal como Serra, jamais tivesem provado marijuana.

Mas aí se esquece que os caras estão simplesmente fora dos padrões - seja para o bem, dentro das quatro linhas, onde encantam e insipirarão enquanto a humanidade gostar de futebol, seja para o mal, onde, fora dos gramados, não estão nem aí e detonam muita carne gorda, cerveja, fileiras de coca e até uns travestis de vez em quando.

Bom seria se o caminho da virtude fosse só traçado pelo bom-mocismo. Ou talvez a complexidade de um Ronaldo seja um 'modelo educativo' muito mais completo do que um Pelé, que comeu a bola e, depois, virou um chato.
Lourenço disse…
Ok, o Ronaldo é um pacote em que futebol é apenas um dos elementos. Mas ele foi decisivo para o Corinthians no primeiro semestre do ano passado. A má fase dele (últimos 12 meses) simbolizam um período em que o Corinthians também não voltou a engrenar. Ele é muito importante como jogador sim, daí eu discordo um pouco da tônica do texto.