Sobre os Tatras, brilha o relâmpago

"A Itália ficou fora mesmo?", balbucia um incrédulo colega de trabalho meu, de uma mesa a menos de 3 metros da minha. Está, como todos, impressionado com a informação que deixei escapar entre dentes, tão logo a transmissão online confirmou o inusitado resultado.


Sim, respondo eu. A Azzurra está fora; perdeu para a Eslováquia por 3 a 2 e vai ver o resto da Copa pela TV. Sinto um ar de perplexidade, alguns suspiros de incredulidade aqui a ali. Mesmo colegas que pouco se interessam, que absolutamente nada sabem de futebol, parecem chocados com a informação que acabei de passar. O colega que fala comigo pisca uma, duas vezes e pergunta, como quem quer saber a resposta para a Vida, O Universo e Tudo O Mais: "Mas como assim, Igor?" Pois então. Vou tentar explicar.


Para começo de conversa, vale dizer que a Azzurra entrou desconjuntada no gramado do Ellis Park, em Johannesburg. Marcelo Lippi tentou mudar não mudando: insistiu em Iaquinta, que pouco ou nada tinha feito até então, ainda que tivesse acenado com uma oportunidade para Pazzini no decorrer da semana. Gattuso voltou ao time, Di Natale substituiu Gillardino, e a Itália foi a campo com um 4-3-3 bastante ousado, buscando a vitória que garantiria a classificação.


Porém, o verdadeiro problema das atuações anteriores, a armação de jogadas, seguiu inalterado. Gattuso foi ineficiente, Montolivo inexistente, e De Rossi não tinha a liberdade tática necessária para uma efetiva contribuição. Nas laterais, Zambrotta e Criscito continuaram inoperantes como sempre. O resultado foi um conjunto vazio: depois de duas boas chegadas na abertura da partida, a Itália sumiu e não chutou mais a gol nos primeiros quarenta e cinco minutos de jogo.


Já a Eslováquia, menosprezada por todos depois de duas péssimas atuações nos jogos anteriores, foi uma seleção muito diferente na partida de hoje. Hamsik, craque do Napoli e grande decepçao nos jogos anteriores, desta vez assumiu sem medo o protagonismo da partida. De seus pés saíram a maioria das jogadas de uma Eslováquia ousada, que foi para cima dos italianos em busca do único resultado que servia. O treinador Vladimir Weiss fez mudanças estruturais na equipe, mudando quatro jogadores com relação à derrota para o Paraguai. Adiantou o time, marcando no campo italiano e fazendo do seu 4-2-3-1 um esquema muito mais vibrante. E suas mudanças fizeram do time covarde dos jogos anteriores uma equipe agressiva e focada na vitória.


O primeiro gol da Eslováquia surgiu aos 25mins, quando o italiano De Rossi saiu errado e acabou perdendo a bola para Kucka. O meia, um dos atletas escalados em cima da hora pelo treinador Weiss, rolou a Jabulani mansamente para o centroavante Vittek concluir com precisão. E a vantagem no placar traduziu-se também no aspecto anímico do jogo. Empolgados, os eslovacos continuaram em cima, atacando e buscando o segundo gol. Enquanto a Azzurra amarelava em campo, distribuindo pontapés e incapaz de reagir com o futebol que se espera do atual campeão do mundo.


Enquanto isso, em Polokwane, Paraguai e Nova Zelândia arrastavam-se frouxamente em um insípido 0 a 0. Felizes com a vaga praticamente assegurada, os jogadores paraguaios tinham o domínio territorial e das ações, mas não pareciam lá muito interessados em estragar a humilde, mas histórica conquista neozelanesa. Invictos, os All Whites pareciam satisfeitos em não perder o jogo, e iam saindo da Copa de uma maneira mais digna do que qualquer um imaginaria antes do torneio começar.


De volta a Johannesburg, a Itália tentava reagir, buscando o empate que salvaria a classificação. A entrada de Quagliarella no lugar de Gattuso mexeu na formatação tática do time, transformando a equipe praticamente em um 4-2-4. Houve uma melhora sensível, e a partida ganhou muito em emoção. Mas a Azzurra continuava desconjuntada, e a Eslováquia seguia criando chances. Mesmo tecnicamente inferiores, os eslovacos estavam mais concentrados, e jogavam com firmeza dentro de um esquema rígido de jogo. Não apenas queriam vencer; faziam por merecer a vitória. E venciam. Enquanto o mundo todo olhava para o gramado do Ellis Park e, como o meu colega de serviço, perguntava: como assim? Foi apenas aos 12mins da etapa final que Pirlo, mesmo descontado, tirou a jaqueta e entrou em campo.


Essa mudança fez maravilhas para a Itália, e mostrou claramente que o que faltava para a Azzurra era mesmo um pouco de ousadia e capacidade de criação. A partir daí, a partida virou um teste para cardíaco e um bom meio de exercitar os clichês. Aos 22mins, um foguete de Quagliarella foi salvo em cima da linha por Skrtel. Logo depois, porém, comprovou-se que quem não faz, leva: levantamento de Hamsik, conclusão implacável do carrasco Vittek e o surpreendente 2 a 0 no placar.Diante da tragédia, e sem conseguir jogar um futebol convincente, restava aos italianos apelar para a bravura. O jogo ficou veloz, sofrido, dramático. Aos 36mins do segundo tempo, Di Natale aproveitou rebote de uma jogada de pura raça de Quagliarella e descontou. Era 2 a 1, e a chance de um empate heróico fez com que a Itália se jogasse de vez para cima dos rivais. Era tudo ou nada, assim falava a canção. E acabou sendo nada: aos 44mins, Kopunek fez 3 a 1 para a Eslováquia, e sua comemoração ensandecida era adequada à enorme importância daquele momento. Estreante em Copas como nação independente, a Eslováquia eliminava a atual campeã e seguia, contra todas as previsões, rumo às oitavas de final. Nem o segundo gol italiano, aos 47mins, nem a chance derradeira de empate, desperdiçada por Pirlo aos inusitados 50mins do segundo tempo, poderiam abalar a beleza e a força desse feito.


O outro jogo da chave terminou como começou: sem gols, sem emoções e sem surpresas. O Paraguai jogou de forma contida, quase preguiçosa, contando os minutos para ir para casa. E a Nova Zelândia seguiu cumprindo seu objetivo maior na Copa: não perder. Arriscou algumas poucas vezes, mas talvez soubesse lá no fundo que uma classificação seria mais do que o seu modesto time era capaz de encarar. E ficaram ambos felizes com o 0 a 0, Paraguai líder do Grupo, os All Whites sem perder nenhum jogo e na frente da Itália na classificação final.


Tentando responder de uma vez a pergunta do meu surpreso colega, diria que a eliminação italiana pode ser chocante, mas pouco ou nada tem de injusta. Inconsistente, deserta de craques, a Azzura foi incapaz de corrigir as dificuldades apresentadas em jogos anteriores e não deu em momento algum a pinta de que poderia ser mais do que andava sendo. Foi punida de modo cruel, mas implacável, e cedeu sua vaga para uma Eslováquia desprovida de brilhantismo, mas que conseguiu achar soluções para os inúmeros problemas que tinha apresentado nas duas primeiras partidas do grupo. Não tem futebol para ir longe, mas só pela valentia de hoje já podemos dizer que fez por merecer a vaga.


Para o bem do futebol, resta torcer para que a eliminação italiana seja um ponto de partida para a necessária renovação de seu plantel. Enfraquecidos e sem brilhantismo, os azuis terão que fazer bom uso dos quatro anos que ganharam para reencontrarem o futebol e a própria história. Para eles, ao contrário do que o Vannucci talvez dissesse, o Brasil ainda está bem distante.


Fotos: Iaquinta sente o cutuco com o gol da Eslováquia; e Vittek, o carrasco, canta o "Nad Tatrou sa blýska " enquanto festeja o segundo gol (AP)

Comentários

Prestes disse…
A Eslováquia fez um partidaço hoje.

Acho que o Lippi escolheu os veteranos errados. Cannavarro tá mto mal há tempos, e o Totti, por exemplo, acabou esta temporada voando. E faltou ataque para esta Azzurra...
Lourenço disse…
O Totti pediu para não ser mais convocado após a Copa de 2006. A Itália não jogou nada, mas não dá para subestimar a ausência de Buffon e Pirlo. É como o Brasil jogar a Copa sem Júlio Cesar e Kaká.
Prestes disse…
Não sabia essa do Totti.

E boa comparação, Lourenço. As ausências prejudicaram sim.

Outra questão é a seguinte: o Inter de Milão domina o cenário e não tem nenhum italiano. Milan e Juve não tem revelado ninguém. Aí tu pega essas caras novas da Itália e são todos de times de segunda linha.
Vicente Fonseca disse…
Acho uma lástima para a Copa a eliminação da Itália, mas mais lastimável é esse time italiano.

São poucas revelações mesmo. O Montolivo até acho que foi um dos poucos que se salvou, mas o Marchisio, que canso de ver fazer ótimos jogos na pobre Juventus, decepcionou.

A Itália vai ter que começar do zero para chegar firme em 2014. Fazer tipo o que o Brasil fez com o Dunga. Fazer a Euro 2012 de teste e formar um time novo.
Vicente Fonseca disse…
A Itália já fez uma péssima Copa das Confederações ano passado e não venceu nenhum amistoso de preparação. Deu todos os indícios que fracassaria, mas sua camisa é que teima em nos deixar surpresos pela eliminação.

Porra, levar gol de LATERAL não existe.

Para consolo, o golaço do Quagliarella foi o mais lindo da Copa até agora.
samir disse…
Nunca um lateral foi tão bem cobrado na história das copas...

Assino embaixo do que dizem sobre a falta de renovação, o excesso de estrangeiros nos principais times. A estrutura do futebol italiano precisa de um sacode, e nada melhor do que um retumbante fracasso pra começarem os mexes...

Sorte da Itália q havia uma França na Copa para levar o título de fracasso 2010...
Vicente Fonseca disse…
Concordo plenamente, Samir.

E aquele gol que o cara da Eslováquia tirou em cima da linha? Nem as 6486 câmeras conseguiram definir se entrou ou não, incrível!
Anônimo disse…
pois é, skrtel mágico, tirou a bola de um buraco negro. jogo emocionante, estragado pela falta de surpresa quando se está assistindo um jogo em streaming ao mesmo tempo em que se está cercado de bares cheios de italianos. heh. sempre se sabe que não sairá gol sem antes ouvir gritos.

em outras notas, grande atuação do goleiro da nova zelândia, mark paston. merecia um lugar num time de um campeonato decente.
Prestes disse…
No espaço entre a perna do Skrtel e a linha não cabe uma bola inteira.

Logo, não entrou.