Roberto Baggio (1990/94/98)
Nascido em 1967 na pequena Caldogno, de apenas 10 mil habitantes, Roberto Baggio foi o mais talentoso jogador italiano das últimas décadas. Segundo o jornalista Giovani Brera (1919-1992), foi o melhor da história do país ao lado da lenda Giuseppe Meazza – e isto que Brera não teve tempo de ver seu auge técnico. Chamado de “brasileiro” pelos conterrâneos em campeonatos municipais de futebol, marcou 50 gols em pouco mais de dez jogos num torneio local, informação advinda do filme Todos os Corações do Mundo, o oficial da Copa de 1994.
A carreira do meia-atacante iniciou muito cedo. Já aos 15 anos era profissional pelo Vicenza, cidade vizinha a Caldogno. Seu desempenho destacado, mesmo sendo muito jovem, o levou ao primeiro time grande do país ainda aos 18: a Fiorentina, onde jogou por cinco temporadas, marcando 39 gols em 94 partidas. Em Florença, passou pelo maior drama de sua vida: dois dias após a assinatura do contrato, sofreu uma lesão no joelho que quase abreviou sua carreira. Foram necessários incríveis 220 pontos para costurá-lo, e uma espera de 15 meses para estrear pelo time violeta. Naquele período Baggio encontrou o budismo, pelo qual ficou conhecido por ser um ilustre seguidor.
Após estourar de fato na temporada 1987/88, Baggio passou a ser cobiçado por clubes de maior expressão dentro do país. Foi para a Juventus em 1990, onde viveria o auge de sua carreira. Entretanto, antes de estrear pela Vecchia Signora, havia a Copa do Mundo, disputada na própria Itália. Com 23 anos, Baggio era reserva de um time montado para ganhar o tetra dentro de casa.
Os dois primeiros jogos da Azzurra foram complicados. Sem entusiasmar ninguém, a seleção venceu por 1 a 0 ambos os jogos, contra Áustria e Estados Unidos. Classificado, o time treinado por Azeglio Vicini teria duas mudanças para o jogo contra a Tchecoslováquia, adversário mais forte do grupo: saíam do time Vialli, estrela da Sampdoria, e Carnevale. Foi a estreia de Baggio em Copas. Pois vejam o que ele fez no vídeo abaixo. Itália 2, Tchecoslováquia 0.
Naquela noite, Baggio abocanhou sua posição. Contra o Uruguai, nas oitavas, vitória de 2 a 0. Atuou até 34 do segundo tempo. Novamente, contra a Irlanda, nas quartas, foi substituído. O 1 a 0 fazia os italianos chegarem entre os quatro melhores tendo somente vitórias e nenhum gol sofrido. Agora, a adversária seria a Argentina, de Maradona e Caniggia, na “casa” de Dieguito: Estádio San Paolo, do seu Napoli. No trágico 1 a 1 que terminou com derrota nos pênaltis, Baggio começou no banco. Entrou aos 28 do segundo tempo, seis minutos após o empate da Argentina. Na decisão por penalidades, anotou o segundo tento italiano, mas a equipe seria eliminada por 4 a 3, com Goicoechea pegando as cobranças de Donadoni e Serena.
Robby Baggio ainda jogaria a decisão do terceiro lugar daquele Mundial, anotando o primeiro gol da Itália nos 2 a 1 sobre a Inglaterra. Para a Itália, uma decepção; para ele, uma Copa com desempenho até acima da expectativa, como alguém que chegava com o status de inexperiente reserva.
Após a frustração da Copa de 1990, Baggio fez miséria pela Juventus. Numa fase onde só dava o Milan dos holandeses Gullit, Van Basten e Rijkaard, o agora levemente cabeludo atacante começou a virar o jogo. Ganhou lá uma Copa da UEFA, um Scudetto e uma Copa Itália. Parece pouco, mas seu desempenho era tão espetacular que foi eleito, em 1993, o melhor jogador do planeta, desbancando o favorito Romário, centroavante brasileiro que destruía no Barcelona.
Para a Copa de 1994, nos Estados Unidos, eles chegavam como as grandes estrelas, diferentemente do Mundial anterior. Todos esperavam um confronto Baggio x Romário, se possível na grande final. Mas enquanto o Baixinho fazia gols em todos os jogos e classificava o Brasil com tranquilidade, Baggio era o extremo oposto. Na estreia, uma apagada atuação na inesperada derrota para a Irlanda. A seguir, era preciso vencer a Noruega. A precoce expulsão de Pagliuca obrigou Arrigo Sacchi a tirar um jogador de linha aos 21 minutos. O escolhido, para desespero da nação, foi Roberto Baggio. A Itália, sabe-se lá como, venceu por 1 a 0 e, ao empatar com o México em 1 a 1, chegava cambaleando às oitavas. O craque e camisa 10 não havia dado as caras na terra do Tio Sam.
Tudo começou a mudar no jogo das oitavas, contra a Nigéria. Os italianos perdiam por 1 a 0 e estavam caindo fora. Para piorar as coisas, Zola foi expulso aos 30 do segundo tempo. Chegava a hora de alguém genial decidir. Esse alguém só poderia ser ele. Aos 43 do segundo tempo, recebeu um cruzamento da direita e chutou de primeira, no único lugar possível, no cantíssimo. Iniciou a reação que ele próprio comandaria na prorrogação, quando a Azzurra virou para 2 a 1, gol dele, de pênalti. Aquele empate em cima do laço, no Foxboro Stadium de Boston, foi o mais importante gol italiano na Copa dos Estados Unidos.
Contra a Espanha, um empate de 1 a 1 levava o jogo à prorrogação, e a Itália mostrava enormes dificuldades. Até que Signori, aos 43 do segundo, puxou contra-golpe e serviu a Baggio, que, quase sem equilíbrio, toca novamente com precisão cirúrgica para o fundo do gol. Mais uma vez, no finzinho, ele decidia o jogo. Mas seu grande momento foi na semifinal. Em 30 minutos, fez dois golaços que destruíram a Bulgária, que chegou a descontar. Entretanto, sentiu uma fisgada forte no músculo traseiro de sua coxa. Lesão que quase o tirou da finalíssima, contra o Brasil. Não fosse uma final de Copa e, tanto ele como Franco Baresi, teriam ficado de fora. Não tinham a menor condição de jogar uma partida, ainda mais de 120 minutos, como acabou sendo.
Baggio fez o que pôde em campo. Chutou de longe, centralizou a criação, fez um esforço sobre-humano. Exigiu de Mauro Silva, seu marcador, uma das maiores atuações de um volante da seleção em todos os tempos, mesmo visivelmente descontado. Baresi, o outro lesionado, foi o melhor em campo ao lado de Mauro. Tanto ele como o camisa 10 foram escolhidos para bater pênaltis na decisão. Ambos chutaram por cima. As duas maiores injustiças em decisões do tipo na história do futebol, possivelmente, sem exageros. Não coloquei vídeos desta decisão porque todos já viram. Abaixo, os gols contra a Bulgária, no fatídico jogo que o retirou fisicamente da final.
Em 1998, na França, Baggio chegava com 31 anos, já sem tanta explosão, mas com ainda mais inteligência. Os holofotes estavam mais sobre o jovem Alessandro Del Piero que nele. Mas, como o novo craque decepcionava, ele e o centroavante Vieri assumiram as rédeas do time. Na estreia, contra o Chile, uma derrota de 2 a 1 se avizinhava. Sua esperteza a evitou. Aos 39 minutos do segundo tempo, em vez de cruzar uma bola à área, mirou o chute na mão de um zagueiro chileno, que não estava colada ao corpo. Pênalti, que ele próprio bateu, evitando a derrota. O primeiro gol, de Vieri, veio em assistência genial dele.
Após a goleada contra Camarões (3 a 0), veio um 2 a 1 sobre a Áustria, onde Baggio anotou o segundo gol. Isso não foi o suficiente para garantir-lhe um lugar no time nas oitavas, contra a Noruega. Sem Baggio em campo e com Del Piero cada vez mais apagado, os italianos venceram por 1 a 0, mas clamavam por seu maior ídolo no time. A substituição só ocorreria aos 22 minutos do segundo tempo do jogo seguinte, nas quartas, contra a França. Baggio melhorou a Itália, quase fez o gol de ouro na prorrogação, mas, nos pênaltis, o sonho de conquistar a Copa acabou. Como em 1990 e 1994, a marca da cal derrotava a Azzurra. Ao contrário de 1994 e a exemplo de 1990, Baggio não perdeu seu pênalti no Stade de France.
Roberto Baggio entra para a história ao lado de Cruyff, Puskas, Zico, Platini e tantos outros craques que nunca ganharam uma Copa do Mundo. Marcou gols nas três Copas que disputou. Nelas, atuou 15 vezes e marcou nove gols.
Em 2002, encontrei-o no Aeroporto Malpensa,em Milão. Eu , com 19 anos, vestia uma camisa do Brasil. Falei algo entre o português, o inglês e o italiano, e ele logo entendeu que queria um autógrafo. Foi seguramente o melhor jogador de quem já estive perto e troquei umas poucas palavras, mesmo que num idioma que talvez não exista. Atendeu-me com a simpatia e a serenidade de alguém que, mesmo que não fosse disputar a Copa da Ásia (como muitos pediam à época no país, a exemplo de Romário pelo Brasil), já tinha seu lugar guardado na galeria dos maiores gênios da bola. E quem sou eu para discordar ou ter vergonha de pedir um registro deste momento, mesmo sem saber uma palavra de italiano sequer?
Aliás, uma eu sei. Grazie, Roberto!, foi como me despedi.
Em 2002, encontrei-o no Aeroporto Malpensa,
Aliás, uma eu sei. Grazie, Roberto!, foi como me despedi.
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Semana que vem: “marca aquele gordinho ali”.
Foto: Baggio, um dos cinco melhores que vi, e o melhor com quem já “conversei”.
Comentários
Parece piada pronta: "fui na Itália e falei com o Baggio".