Leônidas (1934/38)

Se você, leitor, acha que Pelé é o primeiro caso de sucesso em marketing aplicado ao futebol, está enganado. Duas décadas antes do Rei, um craque brasileiro virava nome de chocolate. Isso mesmo: sempre que você vai à venda da esquina de sua casa comprar uma barrinha de Diamante Negro, saiba que o nome deste confeito e o apelido de Leônidas da Silva não são mera coincidência. O craque dos anos 30 e 40 cedeu à Lacta seu apelido por dois contos de réis.

Hoje qualquer jogador bom de mídia (nem precisa ser tão bom de bola) já se destaca perante os holofotes. Na época de Leônidas não era bem assim. Ele precisou fazer misérias para conseguir esta homenagem. Pudera: trata-se de um jogador absolutamente emblemático. Ao lado de Friedenreich, o maior brasileiro da Era pré-Pelé, e seguramente o que mais obteve destaque em Copas do Mundo.

Mais que ser o inventor da bicicleta (em 1932), Leônidas foi o primeiro brasileiro artilheiro de uma Copa. Em 1938, comandou a seleção rumo à primeira semifinal da história nacional. Antes disso, atuara no fracasso Mundial de 1934, onde o Brasil caiu na primeira fase perdendo de 3 a 1 para a Espanha. Gol dele. Leônidas atuava no Vasco, mas já tinha passagens de sucesso pelo seu clube de origem, o São Cristóvão, no Sírio Libanês, no Bonsucesso (onde de fato estourou e inventou a bicicleta) e no Peñarol, notabilizando-se por ser um dos primeiros atletas a deixar o país para atuar no futebol estrangeiro.


Mas foi em 1938 que Leônidas virou um mito. Depois de uma passagem pelo Botafogo, o Homem Borracha (outro apelido, que evidencia sua elasticidade) fez miséria no Flamengo, onde jogava desde 1936. Era na condição de estrela rubro-negra que ele desembarcou para a Copa da França. Logo na estreia, um 6 a 5 impróprio para cardíacos contra a Polônia. Ele marcou três gols, dois deles na prorrogação, após o 4 a 4 no tempo normal.

Nas quartas, as batalhas contra a Tchecoslováquia. No dia 12 de junho, Leônidas abriu o placar no Estádio Municipal de Bordeaux, aos 30 do primeiro tempo, mas o artilheiro Nejedly empatou, forçando um jogo extra. Dois dias depois, no mesmo local, vitória de virada por 2 a 1. Leônidas empatou aos 11 do segundo tempo, e Roberto virou a seguir. Extenuados, muitos jogadores brasileiros não teriam condição de atuar nas semifinais, contra a então atual campeã Itália. Leônidas estava neste grupo. Adhemar Pimenta, técnico da seleção, não o escalou. Houve quem dissesse, maldosamente, que o craque não atuou por ter sido subornado por Benito Mussolini. Os tribunais deram ganho de causa ao Diamante Negro, que se defendeu da calúnia.

Sem Leônidas, o Brasil perdeu por 2 a 1 e ficou de fora da Copa. Pimenta até hoje é criticado por muitos ao optar por não escalar o principal craque do time (assim como criticam Zagallo por ter posto Ronaldo na final de 1998 sem as condições ideais). Na decisão do terceiro lugar, a seleção levava 2 a 1 da Suécia, mas Leônidas fez dois gols que viraram o jogo e Perácio completou o 4 a 2 para o Brasil. Era o primeiro pódio da seleção em Copas, e ele era o protagonista. Jogou quatro vezes na Copa da França e marcou oito gols, totalizando nove em cinco jogos nos mundiais. É a maior média de um jogador brasileiro até hoje. Teria, provavelmente, o posto de maior artilheiro da história das Copas, caso a II Guerra Mundial não tivesse eclodido. Jogaria em 1942 e 1946, quando estava no auge pelo São Paulo.



Leônidas jogou até 1941 no Flamengo. De 1942 a 1950, fez história no tricolor paulista. Na sua chegada à Pauliceia, foi recebido por 10 mil pessoas na estação de trem da Luz. Encerrou a carreira no ano da Copa no Brasil, aos 37 anos. Foi comentarista esportivo até 1974, quando passou a conviver com o Mal de Alzheimer, que o venceu em 2004. Mesmo sem ter ganhado Copas, mesmo sem ter a chance de marcar ainda mais seu nome na história em 1942 e 1946, Leônidas foi o primeiro grande ídolo brasileiro em Copas do Mundo. Isso ninguém tirará dele, jamais.

Fotos: Leônidas, extenuado, na Copa de 1938 (Arquivo/Folha Imagem); ilustração do craque na Revista Cruzeiro, de 28/06/1938 (Cruzeiro).


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Semana que vem: o craque do mais injusto pênalti perdido da história das Copas.

Comentários

Igor Natusch disse…
Essa capa d'O Cruzeiro é genial demais. Palmas para quem a encontrou! =P

Leônidas estava arrebentado na partida contra a Itália, em 1938. A crença (que até hoje se perpetua) de que Adhemar Pimenta "poupou" o atleta acreditando numa classificação "fácil" contra a fortíssima Itália, só se justifica pela dificuldade de circulação de informações que existia na época, além do nosso enorme (e não raro injusto) apego à conspiração em detrimento da verdade. Dizer que ele foi "subornado", então... Jogou no sacrifício, garantindo a classificação brasileira contra a Tchecoslováquia, mal conseguindo se mexer depois do jogo, e se "vendeu". Arrã, OK.