Jogos inesquecíveis: Hungria x Alemanha Ocidental (final, 1954)

FREDERICK POSSELT MARTINS Toda seleção campeã da Copa tem um feito inédito e/ou inesquecível que ficou carimbado nos anais da história do torneio. E, consequentemente, pode se orgulhar desse feuti. Senão, vejamos. O Uruguai pode se gabar de ter sido o primeiro campeão mundial de seleções. A Itália, a primeira campeã europeia, a primeira bicampeã mundial e a primeira a vencer duas vezes o torneio de forma consecutiva. A Inglaterra, por ter sido a primeira a vencer uma final numa prorrogação (ok, não é um grande feito, mas não me lembro de outro). A Argentina, por ter sido a primeira seleção sul-americana a erguer o novo troféu após a Jules Rimet. A França, por ter batido uma seleção na final de 98 que era considerada imbatível, e também por ter sido a primeira seleção a vencer um jogo de Copa com gol de ouro. E o Brasil, bem... aí os feitos são incontáveis (única seleção a vencer Copas fora de seu continente, primeira tricampeã, tetracampeã e pentacampeã, primeira a vencer uma Copa em disputa de pênaltis). Mas e a Alemanha, meus amigos? Quais os feitos da Alemanha? Digo-vos, meus caros: vários. Não podemos desdenhar dos germânicos, de forma alguma. Ainda mais em se tratando de finais. Afinal, que outra seleção pôde se vingar do troféu perdido em 86 quatro anos depois? Que outra seleção conseguiu acumular reações estrondosas nas fases eliminatórias da Copa? Que outra seleção conseguiu, num espaço de sete edições do torneio, chegar em cinco finais? Que outra seleção acumulou reações feéricas na história da competição? E os exemplos desta Alemanha estão aí, aos montes. Esta Alemanha, que perdeu da Itália em 70 por 4x3, lutou bravamente por aquela vitória, especialmente na prorrogação. Esta Alemanha, que empatou em 82 com a França em 3x3, nunca considerou aquele jogo perdido na prorrogação - especialmente Rummenigge, que levou seus compatriotas ao empate e, posteriormente, à glória nos pênaltis. Esta Alemanha, que perdeu a final de 86 para a Argentina por 3x2, mas que também nunca considerou aquele jogo perdido, pois estava sendo derrotada para os hermanos por dois tentos a zero e buscou o empate no segundo tempo. Esta Alemanha, que perdia para a Inglaterra em 66 por 2x1 e conseguiu marcar um tento no último minuto da etapa complementar, levando o jogo pra prorrogação. Esta Alemanha, que perdia a final de 74 em casa para o Carrossel da Holanda, capitaneado por Johann Cruyff (o verdadeiro craque das pernas tortas, literalmente) e buscou a virada, levando assim um bicampeonato que, talvez, apenas os alemães acreditassem. Não, senhores. A Alemanha não é um time comum. Não é um time que só se caracteriza por sua disciplina tática. Esta Alemanha, senhores, que teve em seu escrete nomes marcantes do futebol mundial, como Fritz Walter, Maier, Beckenbauer, Müller, Rummenigge, Völler, Sammer, Matthaus, Klinsmann, Köpke, Möller, Bierhoff e Kahn jamais pode ser considerada uma seleção apenas disciplinada. Uma seleção com histórico de reações formidável, seja no placar ou seja no campo das apostas, não pode ter só esta qualidade. Ela tem muito mais que isso. E toda esta história alemã no torneio começou em 1954. A edição da Copa na Suíça, que teve a maior média de gols; que teve um inexplicável Áustria 7x5 Suíça, o jogo do torneio que teve mais gols em sua história; que teve uma das fórmulas mais esdrúxulas em todos os tempos; e que todos davam como certa a conquista do título por aquela que foi considerada uma das maiores seleções de futebol da história: a seleção dos Magiares Mágicos. Pois a Alemanha, senhores, venceu a Hungria de Puskás no jogo derradeiro e decisivo daquela Copa. E, para entender por que tal cotejo tem sua grande importância, por que foi ela a responsável pela ascensão da Alemanha nas Copas e - principalmente - por que ele é conhecido e orgulhosamente chamado pelos alemães de "Das Wunder von Bern" (O Milagre de Berna), precisamos abrir um parênteses e explicar algumas coisinhas. A Hungria de 1954, treinada por Gusztav Sebes e cujo capitão era o maestro Ferenc Puskás, tinha como base o time do Honvéd, clube húngaro que pertencia ao exército do país (Honvéd, aliás, significa defensor da Pátria). Segundo contam, a preparação física dos jogadores era rigorosa, o que fazia com que eles tivessem velocidade e força superiores em relação aos jogadores de outras equipes. Não só isso: os húngaros treinavam minutos antes da partida começar. Assim, entravam em campo aquecidos e pegavam um adversário ainda frio, que estava se adaptando ao jogo. Aproveitavam esta vantagem para massacrarem o oponente nos primeiros 15 a 20 minutos, anotando gols se possível e, assim, abrindo vantagem. Mas não para por aí. Sebes implantou um esquema inovador na seleção húngara. Vocês devem ter lido em algum dos textos do lenhador Natusch sobre os esquemas táticos que pululavam o futebol europeu entre os anos 30 e 50. O mais popular certamente era o 3-4-3, também conhecido como sistema WM (chupa, Ponso), pois os 3 zagueiros e dois volantes reproduziam um W no campo, enquanto os dois meias e três atacantes (dois pontas e um centroavante) formavam um M. E aí começava o problema dos húngaros: o centroavante Hidekguti não era lá grandes coisa jogando na função mais adiantada do campo. Nem tinha porte para trombar com os zagueiros e concluir de forma eficiente, nem era veloz para vencer a marcação dos mesmos. Pois Sebes resolveu o problema transformando o WM (chupa, Ponso) em WW: orientou Hidekguti a recuar até o meio campo para ajudar na armação do jogo e no tabelamento com os meias. Os beques corriam atrás do centroavante para fazerem marcação corpo a corpo, deixando a defesa exposta. Ao mesmo tempo, Sebes orientou Puskás e Kocsis, os dois meias-atacantes, a avançarem até Czibor e Toth, os dois pontas. Esse era o segredo do ataque da Hungria: desguarnecer a defesa adversária com o recuo de seu centroavante e, ao mesmo tempo, avançar seus dois meias qualificadíssimos até o ataque quando estivessem com a posse de bola. Assim, num toque de Hidekguti, ele poderia deixar tanto Czibor quanto Puskás, Kocsis ou Toth cara a cara com o goleiro adversário - e isso quando Lorant, Buzansky e Zakarias, os outros três meias, também não subiam, fazendo os magiares terem até sete jogadores no ataque. Junte-se isso, claro, ao preparo físico e à alta qualidade dos atletas húngaros. Grosics, o goleiro, era ágil pelo alto e rápido na reposição de bola. Buzansky e Lantos formavam uma sólida dupla de zaga. Bozsik e Lorant armavam o jogo com qualidade, enquanto Zakarias protegia o lado esquerdo do campo. Hidekguti, apesar de pouco eficiente na conclusão, chutava forte e passava com precisão. Toth era veloz e chutava bem. E isso que não falamos do trio responsável por 18 dos 27 gols magiares anotados em cinco jogos daquela Copa: Kocsis, o artilheiro daquela edição com 11 gols, era rápido e objetivo. Cabeceava bem e chutava melhor ainda. Czibor tinha uma velocidade estrondosa, capaz de vencer os defensores adversários com facilidade, mesmo nos minutos finais de jogo. E Puskás, bem... Puskás era Puskás. Trinta anos antes de Diego Maradona, ele já tinha uma canhota que apavorava qualquer goleiro. Antes de Pelé, ele já estampava um 10 nas costas. Antes de qualquer outro craque incontestável, ele já era um autêntico maestro, forte e inteligente, que aplicava corta-luzes, tocava vistosamente a bola para seus companheiros, corria, chutava e concluía maravilhosamente bem. Se recebeu tantas homenagens do Real Madrid e dos húngaros em sua morte em 2006, não foi à toa: afinal, talvez não surja tão cedo outro jogador tão completo por aquelas bandas como ele. Por tudo isso, aquela Hungria botava medo. Fora medalha de ouro nas Olimpíadas de Helsinque, vencendo seus cinco jogos, anotando vinte gols e sofrendo apenas dois. No total, permaneceu 32 jogos invicta (28 vitórias e 4 empates, com 139 gols anotados e apenas 33 sofridos) em quase dois anos e meio, disputando torneios e amistosos. Um deles é histórico: contra a Inglaterra, no Wembley, em 25 de novembro de 1953. Os ingleses estavam invictos desde a inauguração de seu estádio, em 1923, tendo perdido apenas para outras seleções britânicas (Escócia e Irlanda). Era costume dos ingleses convidarem a seleção que estava despontando na Europa a jogarem no Wembley, onde normalmente tal seleção levava um sarrafo dos jogadores britânicos, que se consideravam invencíveis dentro de seu estádio. Mas quem disse que os magiares levavam isso a sério? Quem disse que os magiares se importavam com mística? E naquele dia, Puskás, capitaneando seu exército, aplicou 6x3 no English Team (três de Hidekguti e três dele, Puskás), calando cem mil torcedores. A revanche, exigida pelos ingleses, aconteceu em Budapeste, e seria ainda pior pros inventores do futebol: Derrota de 7x1. Já a Alemanha não tinha todo esse glamour da Hungria, mas tinha bons jogadores para a época. Turek era um grande goleiro, como vocês verão no relato da partida. Fritz Walter, um capitão determinado. E Rahn, um ponta rápido e preciso em seus passes. Mas, especialmente, a Alemanha tinha técnico: Sepp Herberger. Ainda na fase de grupos, foi ele o responsável pela decisão de poupar titulares no jogo, justamente, contra os húngaros, pois preferia mandar força máxima contra um adversário menos qualificado posteriormente e, dessa forma, garantir a classificação de forma mais tranquila. O resultado foi a goleada de 8x3 para os magiares. Reza a lenda que os alemães foram orientados a descerem o sarrafo nos húngaros. Não se sabe se é verdade, mas o fato é que Puskás se lesionou aos 15 do segundo tempo naquele jogo, voltando a jogar apenas na final. O segundo mérito de Herberger foi ter orientado seu meio-campo a marcar, justamente, o distribuidor de jogadas da equipe húngara: Hidekguti. Ainda que a tática não tenha sido totalmente eficiente, os germânicos frearam em momentos importantes o ataque húngaro. Reza a lenda, também, o técnico alemão solicitou a seus jogadores que jogassem um pouco mais recuado do que normalmente jogavam, e que apostassem nos contra-ataques - clássica arma alemã. Mas é claro que não podemos definir esta ou aquela tática ou ocasião ao resultado da partida. Há muitas histórias sobre o porquê dos Magiares Mágicos, formados por Puskás, Kocsis e cia. não terem vencido os alemães, tal qual os boatos de a Itália ter vencido a Seleção Brasileira de 82 no Desastre de Sarriá. Muitos citam que os húngaros se desgastaram demais nas partidas contra Brasil e Uruguai, chegando na final apresentando forte fadiga. Os relatos também indicam que, no dia do jogo, choveu forte em Berna, e o gramado do Wankdorf Stadium ficou propício para as chuteiras Adidas dos alemães do que pros calçados húngaros. Também se fala que os alemães jogaram dopados, e por causa disso, tiveram fôlego o suficiente para marcarem de perto os magiares até o fim da partida. E, por fim, os supostos erros de arbitragem: uma falta em cima de Grosics no segundo gol alemão e o impedimento inexistente de Puskás naquele que seria o terceiro gol da Hungria. Por partes, vamos dar nossa opinião. Os germânicos, em nenhum momento, pareceram mais à vontade que os húngaros em campo. Quem assistiu a partida ou o filme "Das Wunder Von Bern" pode corroborar com esta opinião. O primeiro tempo foi um massacre de Puskás e Cia., que se não me engano, perderam cinco chances de gol (não contando as chances convertidas) e empurraram a Alemanha para seu campo de defesa. E os alemães em nenhum momento aparentaram amorcegar o jogo: quando possível, tentavam subir pro ataque de forma organizada e qualificada, especialmente com Morlock e Schäfer. Sobre o doping, há quem diga que ele foi confirmado, embora hajam dois problemas no caso. Primeiro, falta de provas. E segundo, que a FIFA na época não organizava controle de doping. Sobre os lances, eles serão comentados durante o relato da partida. E é para ela que iremos agora. Logo cedo, o jogo começa tenso, com os germânicos tentando valorizar a posse de bola. No primeiro minuto, os avantes jogada pela esquerda, que termina em cruzamento de Schäfer e cabeçada de Rahn perigosamente por cima da meta de Grosics. Por increça que parível, a primeira chance de gol da partida foi alemã. Mas não demorou muito para que os Magiares Mágicos dominassem o jogo e partissem pra cima. E cinco minutos depois, Lorant faz um belo lançamento para Hidekguti, que ficaria cara a cara com Turek. Bem a tempo, o goleiro espana a bola para a área e ela sobra para o beque Posipal. Ele tenta o passe para o meio-campo, mas erra. A pelota sobra para Bozsik, que toca para Kocsis chutar forte e cruzado em direção ao gol. A bola esbarra num defensor e muda de direção, caindo nos pés de Puskás, do lado esquerdo da área. Aí não havia jeito: de frente para Turek, ele pega de primeira e estufa as redes, sem chances de defesa para o arqueiro. Logo cedo, a Hungria abria o placar: 1x0. Os alemães tentariam uma reação, mas o segundo tento húngaro não tardaria. E aconteceria da pior forma possível para os germânicos: Hidekguti tentara um cruzamento, mas o beque Kohlmeyer tirara de cabeça, dominando a bola no rebote. Aí, o erro crasso: o mesmo Kohlmeyer recua a esférica para Turek, que se embanana todo no gramado molhado e a deixa escapar. Melhor para Czibor, que estava em cima do lance: rapidamente ele toma posse da pelota, puxa-a para o meio e toca para o gol. Com menos de 10 minutos, Hungria 2x0 e a certeza de que o título não escaparia. E haveria mais: no minuto seguinte, o mesmo Czibor armaria uma correria pela direita e cruzaria na linha de fundo para a área. Mas Puskás e Kocsis chegaram atrasados no lance. Os alemães, vendo que nada estava bom, começaram a arriscar subidas pro ataque para furar a zaga magiar. E aos 10 minutos, Rahn conduz a bola pela esquerda e chuta cruzado, de fora da área. Ela passa por dois avantes e dois defensores, mas não passa pelo avante Morlock, que a empurra de carrinho para as redes, tirando do alcance de Grosics. A Alemanha marcava seu gol cedo, e mostrava que a partida ainda não estava definida coisa alguma. Se vocês acharam que o prélio já estava bom logo com 10 minutos de jogo e três gols anotados, saibam o melhor ainda virá. Nos dez minutos seguintes, as equipes se revezaram em seus devidos ataques. Puskás infernizava a defesa alemã, e Czibor perdera uma chance aos 15, em chute cruzado que passou rente à trave direita de Turek. Ao mesmo tempo, os alemães arriscavam subidas, obrigando Grosics a praticamente voar nos cruzamentos de Rahn e Schäfer. Os ataques tanto pressionavam que, aos 18, em ataque dos germânicos, Lantos espanou mal a bola, e ela sobrou para Morlock no rebote. O avante driblou três marcadores e chutou pro gol, mas Buzansky cortou a tempo para escanteio. Fritz Walter, o capitão, realizou cobrança rasteira, mas perigosa no primeiro pau, o que obrigou Buzansky a ceder outro corner. Na nova cobrança, Grosics, ainda dentro da área, voou para interceptar a bola, mas errou o seu tempo e se chocou com um avante alemão. A esférica chega no segundo pau e encontra o pé de Rahn, que bate de primeira e empata o jogo. Tudo igual, com menos de 20 minutos de primeiro tempo. Muitos dizem que Grosics sofreu falta no lance. Sinceramente, não me pareceu. Primeiro, que foi ele que voou para cima do avante; segundo, que ele não tinha como alcançar aquela bola; e terceiro, que nenhum jogador da Hungria reclamou do lance. Autoconfiança de que buscariam a vitória? Não creio. Ainda mais de um time que, segundo seus defensores, chegara desgastado na final, e logo, deveria cuidar de todo e qualquer lance desfavorável ocasionado pela arbitragem. Então, deixem de desmerecer o honroso empate alemão e continuem lendo. A partir do empate, só deu Hungria no jogo, em lances bonitos e eficientes, onde a bola inexplicavelmente não entrou. Um desses lances aconteceu aos 23 minutos, quando Lorant recuperou uma bola no meio-campo e recuou para Lantos. Ainda no círculo central, o beque faz um lançamento para a área adversária. Na meia-lua, Puskás se estica e cabeceia a esférica, que encontra o pé de Hidekguti perto da marca de cal do pênalti. O centroavante, de primeira, desfere um daqueles chutes à queima-roupa, sem chances de defesa para qualquer goleiro. Mas, por alguma bênção que acompanha os goleiros competentes, a bola não entrou. Graças à Turek, que com um reflexo de felino, esticou o braço e defendeu o chute potente de Hidekguti com o pulso. Sim, senhores: com o pulso! Uma defesa de botar inveja em qualquer goleiro atual. De tantas jogadas esplêndidas feitas pelos Magiares Mágicos, arrisco dizer que este foi o lance mais belo do jogo. E se vocês acham que estou exagerando, assistam o vídeo abaixo e comprovem. A pressão não pararia por aí. Aos 27, Em outra recuperação no campo de ataque, Czibor cabeceia e a bola sobra para Kocsis, que manda um balão torto para a entrada da área. Hidekguti apara-a com o peito e desfere um chute em direção ao canto direito de Turek. Ela parece que vai entrar, tanto que Kocsis já levanta os braços, comemorando antecipadamente, e Turek apenas a observa. Seria o terceiro gol húngaro, mas a pelota explode quase que no lado interno da trave e, após, é espanada por um beque alemão. Um lance incrível, onde o arqueiro alemão salvou de forma mágica com os olhos. Parecia uma questão de tempo o gol húngaro, tamanha a pressão que o ataque exercia sobre a defesa alemã. Aos 35, um lance duvidoso. No ataque germânico, Ottmar Walter (curiosamente, irmão do capitão Fritz Walter) cruza a bola para a área, mas Grosics intercepta. Na reposição, os magiares armam um belo ataque, onde Puskás toca para Kocsis. O artilheiro se livra do marcador, mas ao adentrar na área, é puxado pela camisa. Pênalti, que o juiz só não marcou porque não quis, pois o lance foi claríssimo. O único ataque perigoso da Alemanha após os gols anotados aconteceu aos 41 minutos. Em tabela envolvendo Fritz Walter e Schäfer, este último se livra de três marcadores e adentra a área, desferindo um chute de três dedos em direção ao lado esquerdo da meta de Grosics. Tal qual Turek, o goleiro húngaro faz uma defesa excepcional (não tão linda quanto a de Turek, mas ainda assim, excepcional). Rahn pega o rebote e chuta cruzado, e Buzansky, quase em cima da linha, salva os vermelhos de tomarem a virada. Não houve mais nada após isso, e o primeiro tempo terminava quatro minutos depois. Na etapa complementar, a Hungria voltara disposta a decidir o jogo cedo. Em 12 minutos, ocorreram seis chances de gol por parte do Time de Ouro. Logo aos dois minutos, Kocsis aproveita rebote e chuta forte, obrigando Turek a realizar uma difícil defesa. O arqueiro voltaria a brilhar no minuto seguinte, quando Puskás, em grande lance e livre na área, desferiu um canhotaço, brilhantemente interceptado pelo goleiro. Assim como a bola na trave de Hidekguti no primeiro tempo, pôde-se novamente ver Kocsis com os braços levantados comemorando antecipadamente um gol que não aconteceu. Os magiares seguiam pressionando, perdendo outras duas chances de gol. Até que, aos 10, outro lance incrível: Hidekguti busca o jogo na intermediária, dribla dois marcadores e toca a bola para Puskás. Com uma visão de jogo soberba, o camisa 10 nota Toth avançando pela esquerda e aplica um corta-luz, deixando a bola para o avante, que chuta cruzado. Turek defende, mas cede rebote para Toth, que o dribla e chuta para o gol. Kohlmeyer, o mesmo que participara do lance do segundo gol húngaro, redime-se e salva a bola em cima da linha, mandando-a para escanteio. A urucubaca era tanta que até Puskás, colocando as mãos no rosto, se desespera com o gol perdido pelo companheiro. Aos 12, outra oportunidade perdida, dessa vez por Kocsis: em contra-ataque armado por Hidekguti e Czibor, este passa para Toth pela direita, que cruza para a área. A bola encontra a testa do artilheiro da Copa, que cabeceia em direção ao gol. Novamente, a teimosa esférica não faria a felicidade dos húngaros: explodiria no travessão, sendo posteriormente rebatida pela zaga. Outro tento praticamente feito era perdido. Claramente os húngaros estavam abusando da sorte. Ou esbanjando azar. A partir daí, o jogo ficou mais calmo pros alemães, que esperavam o momento certo para contra-atacarem e definirem a partida. a Hungria não avançava mais de forma impetuosa como outrora, embora ainda arriscarem, esporadicamente, boas subidas pro ataque. Como aos 22, quando Puskás recebe lindo passe de Hidekguti pelo lado esquerdo e chuta cruzado, obrigando Turek, que já tinha brilhado duas vezes anteriormente, a defender com o pé. A Alemanha só realizaria seu primeiro ataque perigoso aos 25 minutos, quando numa cobrança de escanteio, Fritz Walter tocou a bola para Rahn, que desferiu um canhotaço. Grosics, elástico, faz uma baita defesa, sem rebote. As chances de gol escassearam para ambos os times, e tudo parecia se encaminhar para a prorrogação. Os húngaros não conseguiam mais exercer aquela pressão infernizante do primeiro tempo e do início do segundo. Mas, aos 33, criam uma boa chance com Czibor, que dispara do meio-campo, vence dois marcadores e chega na frente de Turek. O goleiro calculou bem o tempo da bola e aplicou um carrinho, impedindo o avante de concluir a jogada. Mas no rebote, Hidekguti domina a esférica e, aproveitando-se que Turek ainda não havia se recuperado, chuta cruzado, porém na rede pelo lado de fora. Aos 39, a Alemanha esboça seu segundo ataque no jogo. Um avante cruza para a área e Lantos corta de cabeça. No rebote, a bola sobra para Rahn, que da meia lua, se livra de dois marcadores e adentra a área. Reza a lenda que, nesse momento, um popular narrador alemão, de nome Herbert Zimmermann, sugeriu: "Rahn deveria chutar do meio da rua". Tal qual telepatia ou clarividência, o avante transforma as palavras do narrador em fato: da entrada da área, desfere um petardo de esquerda, no canto direito de Grosics, sem chances de defesa. Era o inacreditável. Um milagre. O gol da vitória. Os magiares não acreditavam no que viam. Em campo, perdiam a partida, talvez algo inédito na competição. E faltava apenas seis minutos para o fim da Copa. Tentam esboçar uma reação, e aos 42, Puskás recebe a bola pela esquerda, dentro da área, e se livra do marcador. Turek tenta abafar o chute, mas espertamente o camisa 10 toca rasteiro e por baixo do arqueiro adversário, empatando o jogo. Empate? Não. O bandeirinha levantara seu instrumento (Ui, heim? Ui!) e marcara o impedimento, sendo seguido pelo árbitro. Foi, Arnaldo? Jamais saberemos, pois o enquadramento da câmera não é favorável para análise. Houve, ainda, um chute de Czibor aos 44, onde Turek fez outra defesa excepcional, salvando a Alemanha do empate. E aí não houve tempo para mais nada: pela primeira vez, a Alemanha aprontava de seus milagres. Pela primeira vez, o mundo conhecia a seleção que, posteriormente, revelaria grandes jogadores para o futebol mundial. Pela primeira vez, os alemães, através de Fritz Walter, levantavam um troféu de Copa do Mundo - o último que Jules Rimet entregara pessoalmente. Os húngaros se abalaram com a perda do troféu máximo do futebol mundial, mas após o trauma de 54, voltariam a mostrar seu futebol de alta qualidade. Até que, em 1956, estoura a Revolução no país, fazendo com que a maioria de seus craques (como Puskás, Kocsis e Czibor) se exilassem na Espanha. A partir daí, nunca mais os magiares revelaram uma seleção tão expressiva e tão marcante quanto a do Time de Ouro. Ficou apenas, na história, uma página bem escrita sobre aquela seleção. Para a Alemanha, era o início de uma história nas Copas. Uma história que revelaria, ainda, muitas outras façanhas e reações antológicas nas edições seguintes. Mas apesar de todas as façanhas que viriam adiante, esta certamente é a partida que os alemães mais gostam de recordar para contar a história de sua seleção nas Copas. Para eles, aquele não foi um simples jogo. Não foi só uma final de torneio. Foi um milagre. O Milagre de Berna. Os gols: Fotos: Getty Images

Comentários

Vicente Fonseca disse…
É tanta chance perdida pela Hungria que nem dá pra reclamar da arbitragem.

Impressionante a defesa com o punho, superior à de Banks, inclusive. Não sei porque não é tão famosa assim.
Igor Natusch disse…
Texto sensacional. A descrição da partida é muito emocionante, passa uma sensação legal de materialidade, como se todos tivéssemos visto o jogo e apenas o recordássemos via texto - bom, eu pessoalmente fiz o download e vi, mas enfim =P

A defesa de Turek é tão incrível que está além do Playstation (WENGER, Arséne, 2010). A tão comentada defesa de Gordon Banks é assombrosa, mas fica inferiorizada ao ser comparada com essa, sem dúvida. No lance normal, eu simplesmente NÃO ENTENDI o que aconteceu - só quando muda o ângulo da imagem dá para compreender o absurdo da defesa. Porque é isso: um absurdo. Inacreditável.

A Hungria não foi vítima de salto alto, como apressadamente talvez alguns tenham a tendência de achar: foi um jogo disputado para caramba, onde a Hungria buscou sempre a vitória e acabou derrotada por uma Alemanha copeira e raçuda. Um lindo jogo, e um belo texto!
Vicente Fonseca disse…
Também tive dificuldade de entender a defesa do Turek. Só na câmera lenta.