Banha, o Craque Imortal
Tive a felicidade de ser criança e entrar na adolescência em um período muito positivo para o meu clube do coração. Afinal, os anos 80 e 90 foram, de modo geral, bastante generosos com o Grêmio, repletos de títulos regionais, nacionais e internacionais. Tenho até hoje, guardados na minha casa em Porto Alegre, uma série de pôsteres acumulados no decorrer daqueles anos - alguns herdados de meu saudoso pai, mas de qualquer modo um agradável apanhado de Gauchões, Copas do Brasil, Brasileirão, Libertadores, Mundial e por aí vai. Alguns rostos estão em várias dessas fotos - Mazaropi, Danrlei, Cuca, Paulo Egídio, Tarciso, todos figuras de histórias longas e destacadas no Grêmio. Mas apenas um rosto é onipresente, apenas uma pessoa esteve em praticamente todos esses títulos e se eternizou nesses pôsteres que contam uma história plena de orgulho e de alegrias. Alvaci Silva de Almeida, o Banha, massagista que se tornou uma imagem icônica e, mesmo sem jamais ter sido jogador de futebol, marcou de forma muito bonita a história de milhões de gremistas.
Convenhamos: quantos clubes por aí podem listar, entre seus maiores ídolos, um massagista? Sim, porque é nisso que Banha se transformou com o passar dos anos: em um ídolo. De certo modo, o torcedor comum, aquele que vive uma vida simples e encontra no futebol muitas das maiores emoções do seu cotidiano, enxergava em Banha um igual, um companheiro, quase um irmão. Gordo (chegou a pesar mais de 150 kg, o que deu origem a seu um tanto óbvio apelido), negro, de origem humilde e longe dos padrões de beleza de ontem e de hoje, Alvaci era uma figura do povo, uma representação quase simbólica de todos aqueles que costumam ser excluídos da grande festa, se é que me faço entender. E esse cidadão teve a chance de acompanhar o Grêmio nas grandes conquistas de sua história, trabalhar ao lado dos grandes craques, ir para lugares onde nenhum gremista havia estado antes, tudo isso sem ser atleta e como consequência de seus próprios méritos e de sua paixão pelo clube.
Desde 1964, quando assumiu o relaxamento muscular dos juniores do Grêmio, até o final dos anos 90, quando foi aposentado por motivos de saúde, Alvaci dedicou sua vida a um trabalho pouco chamativo, mas fundamental para a história de um clube vencedor. Em todo pôster, lá estava Banha, ao lado dos heróis de mais uma conquista tricolor - ele mesmo um herói entre eles. E ao vermos aquele gordo de bigode, todos nós nos sentíamos mais próximos daquela conquista, mais integrados ao clube, quase como se nós mesmos estivéssemos posando para mais uma foto histórica de um título inesquecível. Porque um de nós estava lá, porque Banha nos representava naquela imagem melhor do que nós mesmos podíamos imaginar.
Das muitas histórias relatadas por Banha do seu longo período de gremismo, uma delas sempre me volta à mente. Em 1983, faltando poucos degraus para o Grêmio chegar ao topo da América pela primeira vez, fomos submetidos ao batismo de fogo de La Plata, encarando um dos mais terríveis climas de guerra que o futebol já viu - e quem assistiu a partida, ao vivo ou por DVD, sabe bem do que estou falando. Não recordo se foi no fim do jogo ou no intervalo, mas conta a história que assim que a delegação gremista desceu ao vestiário, viu-se cercada de uma turba de argentinos ensandecidos, dispostos a invadir o recinto e espancar os visitantes sem dó nem piedade. A polícia, ao que consta, não fez lá muito esforço para detê-los, de modo que em poucos instantes não restava senão uma pequena e frágil porta para dividir os gremistas do que seria uma situação de grande potencial trágico.
E foi nessa hora que Banha tomou a dianteira: vestindo a armadura de coragem dos grandes homens, tomou nas mãos uma enorme tesoura e, sem hesitar, abriu a porta de um só golpe, encarando de frente a multidão enlouquecida. Contam que Banha estava possuído, gritando que ia meter tesouradas no primeiro que tentasse invadir o vestiário - e imagino que a visão de um homem daquele tamanho, pronto a matar para defender seus colegas de clube, foi mais do que suficiente para demover os invasores de suas intenções homicidas e fazer com que todos, prudentemente, deixassem o assunto para lá. Eis o tipo de homem que Banha era: um ser humano simples, do tipo que não estampará jamais a capa do "Times" ou da "Rolling Stone", mas é capaz de gestos de absoluta coragem e de tocante humanidade. Como vocês, caros leitores e leitoras. Como cada um de nós.
Pois Alvaci Silva de Almeida faleceu na madrugada da última quinta, aos 66 anos, no Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Estava internado desde o dia 7 de dezembro, sofrendo de tosse crônica e falta de ar, quadro que infelizmente foi se agravando até resultar na morte do velho Banha. Até poucos dias antes de ser internado, Alvaci mantinha o mesmo hábito, cultivado desde sua aposentadoria: visitar regularmente o Olímpico, lugar onde sentia-se em casa e onde viveu, junto conosco, alguns dos mais felizes momentos de sua vida.
Da morte nenhum de nós fugirá, no momento devido - é nossa única certeza, companhia constante e silenciosa de cada um de nós. Mas, no caso em questão, o óbito apenas encerra a trajetória bela e digna de Alvaci, ao mesmo tempo que consolida Banha na eternidade de um dos maiores clubes do Brasil. Ao morrer, Banha transformou-se de vez em um Craque Imortal, e de seu legado nós jamais esqueceremos. Obrigado por tudo, Banha, e descanse em paz.
Foto: primeiro agachado, da esq para a dir: você. (Blog Clássico Gre-Nal)
Convenhamos: quantos clubes por aí podem listar, entre seus maiores ídolos, um massagista? Sim, porque é nisso que Banha se transformou com o passar dos anos: em um ídolo. De certo modo, o torcedor comum, aquele que vive uma vida simples e encontra no futebol muitas das maiores emoções do seu cotidiano, enxergava em Banha um igual, um companheiro, quase um irmão. Gordo (chegou a pesar mais de 150 kg, o que deu origem a seu um tanto óbvio apelido), negro, de origem humilde e longe dos padrões de beleza de ontem e de hoje, Alvaci era uma figura do povo, uma representação quase simbólica de todos aqueles que costumam ser excluídos da grande festa, se é que me faço entender. E esse cidadão teve a chance de acompanhar o Grêmio nas grandes conquistas de sua história, trabalhar ao lado dos grandes craques, ir para lugares onde nenhum gremista havia estado antes, tudo isso sem ser atleta e como consequência de seus próprios méritos e de sua paixão pelo clube.
Desde 1964, quando assumiu o relaxamento muscular dos juniores do Grêmio, até o final dos anos 90, quando foi aposentado por motivos de saúde, Alvaci dedicou sua vida a um trabalho pouco chamativo, mas fundamental para a história de um clube vencedor. Em todo pôster, lá estava Banha, ao lado dos heróis de mais uma conquista tricolor - ele mesmo um herói entre eles. E ao vermos aquele gordo de bigode, todos nós nos sentíamos mais próximos daquela conquista, mais integrados ao clube, quase como se nós mesmos estivéssemos posando para mais uma foto histórica de um título inesquecível. Porque um de nós estava lá, porque Banha nos representava naquela imagem melhor do que nós mesmos podíamos imaginar.
Das muitas histórias relatadas por Banha do seu longo período de gremismo, uma delas sempre me volta à mente. Em 1983, faltando poucos degraus para o Grêmio chegar ao topo da América pela primeira vez, fomos submetidos ao batismo de fogo de La Plata, encarando um dos mais terríveis climas de guerra que o futebol já viu - e quem assistiu a partida, ao vivo ou por DVD, sabe bem do que estou falando. Não recordo se foi no fim do jogo ou no intervalo, mas conta a história que assim que a delegação gremista desceu ao vestiário, viu-se cercada de uma turba de argentinos ensandecidos, dispostos a invadir o recinto e espancar os visitantes sem dó nem piedade. A polícia, ao que consta, não fez lá muito esforço para detê-los, de modo que em poucos instantes não restava senão uma pequena e frágil porta para dividir os gremistas do que seria uma situação de grande potencial trágico.
E foi nessa hora que Banha tomou a dianteira: vestindo a armadura de coragem dos grandes homens, tomou nas mãos uma enorme tesoura e, sem hesitar, abriu a porta de um só golpe, encarando de frente a multidão enlouquecida. Contam que Banha estava possuído, gritando que ia meter tesouradas no primeiro que tentasse invadir o vestiário - e imagino que a visão de um homem daquele tamanho, pronto a matar para defender seus colegas de clube, foi mais do que suficiente para demover os invasores de suas intenções homicidas e fazer com que todos, prudentemente, deixassem o assunto para lá. Eis o tipo de homem que Banha era: um ser humano simples, do tipo que não estampará jamais a capa do "Times" ou da "Rolling Stone", mas é capaz de gestos de absoluta coragem e de tocante humanidade. Como vocês, caros leitores e leitoras. Como cada um de nós.
Pois Alvaci Silva de Almeida faleceu na madrugada da última quinta, aos 66 anos, no Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Estava internado desde o dia 7 de dezembro, sofrendo de tosse crônica e falta de ar, quadro que infelizmente foi se agravando até resultar na morte do velho Banha. Até poucos dias antes de ser internado, Alvaci mantinha o mesmo hábito, cultivado desde sua aposentadoria: visitar regularmente o Olímpico, lugar onde sentia-se em casa e onde viveu, junto conosco, alguns dos mais felizes momentos de sua vida.
Da morte nenhum de nós fugirá, no momento devido - é nossa única certeza, companhia constante e silenciosa de cada um de nós. Mas, no caso em questão, o óbito apenas encerra a trajetória bela e digna de Alvaci, ao mesmo tempo que consolida Banha na eternidade de um dos maiores clubes do Brasil. Ao morrer, Banha transformou-se de vez em um Craque Imortal, e de seu legado nós jamais esqueceremos. Obrigado por tudo, Banha, e descanse em paz.
Foto: primeiro agachado, da esq para a dir: você. (Blog Clássico Gre-Nal)
Comentários
Como diria o José Simão: Tucanaram o massagista.
No mais, belo texto.
Que esteja bem.
Lourenço, tem um massagista que chama muita atenção que é um do Atlético-PR, tb gordão e negro, mas usa uma BANDANA que o torna igual o Jorge Aragão, uhauhauhauhauhuh