Por um instante, eternamente

Na primeira partida da final do Campeonato Mineiro de 1977, o Atlético-MG, poderoso time de Reinaldo e Toninho Cerezo, que meses depois viria a ser vice-campeão brasileiro mesmo invicto, havia vencido o Cruzeiro, considerado já em decadência após dois vice-campeonatos nacionais em 1974/75 e a conquista da Libertadores de 1976, por 1 a 0. Bastava um empate na segunda partida para o Galo sair bicampeão. Porém, o Cruzeiro venceu por 3 a 2, com três gols de seu centroavante. Este camisa 9, aliás, seria igualmente decisivo na "negra", a finalíssima da melhor-de-três: quando o Atlético-MG comemorava o título com o 1 a 0, este herói conseguiu o empate no finzinho, levando o confronto à prorrogação: nela, deu 3 a 1 para o Cruzeiro, campeão mineiro de 1977.

Este herói do título mineiro de 31 anos atrás não é Palhinha ou Joãozinho, nomes consagrados na história da Raposa. É, aliás, um jogador basicamente conhecido pela torcida do Cruzeiro (e do Atlético-MG, claro), mas que caiu em esquecimento nacional. Trata-se do uruguaio Heber Carlos Revétria, tratado com reverências pela torcida cruzeirense por ter feito parte de um momento inesquecível na história do clube. Por causa destes 4 gols marcados contra o maior rival, mudando a história e a lógica de um campeonato cercado de rivalidade, Revétria virou mito em Belo Horizonte, uma referência de sucesso em decisões e, mais que isso, em clássicos de grande importância (e sucesso em clássicos é algo que rende outra reportagem). Segundo consta, hoje Revétria mora em Montevidéu, onde trabalha em diversos ramos. Garante que não ficou rico com o futebol, apesar de reconhecer que sua trajetória, que incluiu clubes como o Nacional (onde começou) e o River Plate, além da seleção olímpica da Celeste, lhe propiciou um bom nível de vida.

Revétria talvez seja o exemplo mais clássico deste tipo de jogador: muito embora tenha tido suas qualidades, entrou para a história por ter feito o gol decisivo, de título, daqueles que são enquadrados em gigantescos painéis nos museus dos clubes brasileiros. No caso deste uruguaio, elevado à quarta potência, já que marcou nada menos que quatro vezes em dois jogos diante do Atlético-MG.

Naquele mesmo ano da consagração de Revétria, os corintianos comemoraram o título que, se não é o mais importante, é provavelmente o mais marcante de sua história: o Campeonato Paulista de 1977. Depois de 23 anos sofrendo nas mãos e nos pés do santista Pelé e do palmeirense Ademir da Guia, a Fiel lotava o estádio a cada jogo do estadual daquele ano: a média de público bateu na casa dos 46 mil torcedores por jogo, até hoje um número impressionante. O adversário era a Ponte Preta, considerada melhor time e favorito a um título que, para ela, era inédito. Portanto, tinha também seus fortíssimos motivos para jogar a morrer pelo troféu.

A Ponte Preta reclama até hoje da polêmica decisão da Federação Paulista de Futebol de marcar as 3 partidas decisivas para o Morumbi, que certamente sempre teria a maioria absoluta de corintianos. No primeiro duelo, o Corinthians venceu por 1 a 0, dando a impressão de que o tão sonhado título finalmente viria. A Fiel lotou o Morumbi para o segundo jogo, naquele que até hoje é o maior público da história do estádio: 146 mil pessoas. O Corinthians saiu ganhando, mas permitiu a virada e o 2 a 1 ponte-pretano. No jogo decisivo, diante de 87 mil pessoas, o empate era corintiano. O árbitro expulsou inexplicavelmente o principal jogador da Ponte, Rui Rei, minando o time de Campinas. Mas quem se lembra destes detalhes? A torcida da Ponte, claro. No entanto, o que entrou mesmo para a história foi o gol choradíssimo de Basílio, aos 36 do segundo tempo, que garantiu o título e autorizou um grito que permaneceu entalado na garganta dos alvinegros por 23 anos. Basílio é até hoje lembrado por este gol. Volante e dublê de lateral-direito, era notado muito mais por ser um jogador voluntarioso e dedicado que por suas qualidades técnicas. Raramente errava passes curtos, ainda que estivesse longe de ser brilhante.

Em 1988, foi a vez de um lateral de nome tão estranho quanto folclórico, daqueles que infelizmente é raro de se ver no futebol de hoje, entrar para a história do Vasco. Cocada entrou aos 41 minutos do segundo tempo da finalíssima do Campeonato Carioca, quando o clube cruz-maltino segurava um 0 a 0 que lhe daria o bicampeonato. Três minutos depois de entrar, fez o golaço do título, foi expulso por exagerar na comemoração e ainda viu Romário e Renato Portaluppi brigarem no final da partida. Suas palavras após o momento de glória são impressionantemente proféticas, como mostra o link deste parágrafo.

E o que se dirá então de um jogador que tinha lá suas limitações, mas que entrou para a história de dois grandes clubes em um intervalo de 18 meses? É o caso do meia Aílton, que começou no Flamengo no final dos anos 80. Justamente contra o mesmo clube que o revelou, fez uma jogada até hoje lembrada com carinho pelos torcedores do Fluminense: cortou duas vezes a marcação e arrematou a gol. A bola desviou na barriga de Renato e entrou, aos 44 do segundo tempo. Um Maracanã com 109 mil pessoas via um de seus maiores dias de sua cinqüentenária história. Um título que estava nas mãos rubro-negras quando o duelo começou, passou às tricolores quando estes abriram 2 a 0, voltaram às rubro-negras com o empate de 2 a 2, e saíam delas a 1 minuto do final. Renato levou a fama de ter anotado, mas foi Aílton quem levou oficialmente a honra de ter marcado, pela súmula.

Talvez Aílton tenha se sentido "injustiçado" por não ter sido conhecido como o autor daquele gol. Um ano depois, tratou de fazer história no grande Grêmio de Felipão. Uma prévia ele dera na final do Gauchão: abriu o placar na goleada de 4 a 0 que deu aos tricolores o bicampeonato sobre o Juventude. Depois, perdeu a posição durante o Campeonato Brasileiro, por conta de suas atuações inconsistentes que, apesar da vontade, eram recheadas de erros de passe. Mesmo assim, no próprio Brasileirão, marcou dois importantes gols em uma vitória de 2 a 0 sobre o Guarani, em Campinas, à época um dos líderes da competição. Aquele resultado alavancou de vez o tricolor rumo às fases decisivas da competição.

Naquele 15 de dezembro de 1996, Aílton era um opção no banco de Luiz Felipe Scolari para um time que precisava devolver os 2 a 0 sofridos diante da Portuguesa, em São Paulo, quatro dias antes. Após o gol relâmpago de Paulo Nunes, o Grêmio foi pressão do início ao fim em busca de um segundo tento que teimava em não vir. Aos 30 do segundo tempo, o capitão Dinho sugere a Felipão que o troque por Aílton, como última cartada. O resto todos já sabem: Grêmio bicampeão brasileiro, com o meia eternizado na história do tricolor gaúcho.

No rival Internacional está o exemplo mais contundente de herói por um dia que vira eterno: Adriano Gabiru. Jogador que veio ao Beira-Rio por sua exitosa passagem pelo Atlético-PR, mas que jamais repetiu o bom futebol que o trouxera da Arena da Baixada. Um dos queridinhos do técnico Abel Braga, Gabiru recebeu a camisa 16 para jogar o Mundial Interclubes por causa de uma consulta que o treinador fez a uma numeróloga. Coincidência ou não?

O fato é que, tal qual Aílton dez anos antes, Gabiru entrou no lugar do capitão do time e ídolo da torcida, por volta dos 30 do segundo tempo para, menos de 10 minutos depois, marcar o gol decisivo. No caso, o mais importante da história colorada. Incrivelmente, a torcida rubra pedia perdão a Gabiru no retorno triunfante a Porto Alegre. Ele se fez de difícil, se dizia magoado. Logo ele, que recebia o repúdio geral, tinha agora uma nação a seus pés.

São justamente estes casos que exemplificam bem o que é o futebol: um jogo onde a imprevisibilidade é inerente à sua natureza. E onde alguns lutadores, nem sempre reconhecidos (e nem sempre sem razão para isso), conseguem o reconhecimento e entram para a história através de um único chute. Quem sabe Paulo Sérgio não marca o gol do tricampeonato brasileiro do Grêmio? Ou então Ricardo Lopes faz o gol do inédito título da Sul-Americana para o Inter? A história está aí para ser contada.

Fontes: Wikipedia, Gazeta Esportiva, NetVasco

Comentários

Anônimo disse…
Belo texto, Vicente!

Na minha opinião o gol mais importante da história colorada foi o do Figueroa em 75.
Vicente Fonseca disse…
Obrigado, Prestes!

Gol do título mais importante, então?

Eu também acho que o gol do César foi o mais importante da história do Grêmio, e não o do Renato em Tóquio.
Anônimo disse…
cada time tem o ídolo de acordo com sua grandeza!
Lique disse…
bah, muita classe nesse link do vasco x flamengo. bons tempos em que jogador de time carioca falava "À LA VONTÊ", com toda naturalidade do mundo. chinelagem do cão. e faltou citar o pedro junior nessa história aí. sei que foi "só mais um gauchão", mas foi bonito e foi no chiqueiro.
Lique disse…
bah, não lembrava que a portuguesa tinha tido tantas chances claras de marcar o gol naquele jogo. caio e rodrigo fabri foram CAMARADAS com o tricolor. e aquele gol do aílton foi uma das maiores emoções minhas dentro de um estádio de futebol. pulei tanto que quase caí nas sociais.
Vicente Fonseca disse…
Verdade, Henrique. O Pedro Júnior é outro caso. Citei três casos de campeonatos estaduais, ele caberia sem problemas nessa denominação. Até o Tupãzinho poderia ser considerado, ainda que ele fosse o talismã a la Reinaldo, que entrava e fazia gols quase sempre.
Ponso disse…
Excelente texto. Revi os gols do Revétria não faz nem uma semana, no programa do mestre Leo Batista.
Vicente Fonseca disse…
Obrigado pelos elogios. Esse programa do Léo Batista é sensacional. E foi justamente ele quem me motivou a pesquisar sobre este tema. Abraço.
Anônimo disse…
Um dia ainda escrevo um texto sobre o Alexandre Xoxó, um dos exemplos mais perfeitos de herói esquecido que eu conheço :P

No mais, tá realmente muito bom, Professor.
Anônimo disse…
Xoxó. Grande lembrança. O Aristizábal não gosta muito dele. :P

No mais, me arrepio só de lembrar do gol do Aílton. Melhor ouvir a narração do Haroldo de Souza, da Guaíba.