Tradição se constrói: ao patrolar o Grêmio, Central se consolida como candidato a conquistar a América

No duelo dos técnicos-revelação, Coudet sobrou diante de Roger
Levou 14 anos, mas Eduardo Coudet enfim deu o troco em Roger Machado. Nas mesmas oitavas de final em que foi eliminado pelo Grêmio com uma goleada de 4 a 0 no Olímpico enquanto jogador do River Plate, o treinador do Rosario Central protagonizou o maior baile do mata-mata até agora. A classificação para enfrentar o Atlético Nacional elevou o respeito de toda a América do Sul para com a equipe do Gigante de Arroyito.

Os confrontos entre Central e Grêmio tinham tudo para ser eletrizantes, por serem dois times de estilos muito parecidos. O time argentino frustrou essa expectativa, se adonando do confronto desde os primeiros minutos do jogo da semana passada, em Porto Alegre. Em Rosário, ao contrário da capital gaúcha, não fez tanta pressão na saída de bola tricolor. Preferiu jogar nos erros da equipe brasileira. E eles se multiplicaram: desde Fred marcando a bola, e não Rubén, no lance do primeiro gol, até as inúmeras saídas de bola equivocadas, os afunilamentos de Walace e Maicon, o pênalti em que Marcelo Hermes lembrou Marcelo Oliveira contra o San Lorenzo, Geromel olhando Donatti subir sozinho após o escanteio do 3 a 0...

A enorme vantagem que Coudet levou sobre Roger tem várias razões, e uma delas acabamos de ver: ao contrário do Grêmio, que é acadêmico demais, o Rosario Central mostrou que tem variações de jogo. E teve muito mais atitude. Muitos disseram, antes dos confrontos, que o Tricolor poderia levar a melhor neste mata-mata por ter mais camisa, mais tradição, já que os times são tecnicamente parelhos (e, não se enganem, continuam sendo, apesar do vareio argentino). Mas camisa e tradição se constroem a partir de atitude, além de todas as questões técnicas, claro. E o momento, por mais contraditório que possa parecer, também pesa na hora de se definir quem tem mais farinha no saco na hora decisiva.

Atualmente, o Grêmio passa por uma crise de confiança que o torna sempre menos candidato em mata-matas que em torneios de pontos corridos. O "Grêmio Copeiro" não dá as caras desde as semifinais da Libertadores de 2007. De lá para cá, sofreu para eliminar o Caracas em 2009, caiu em quatro oitavas de final seguidas e perdeu Copas do Brasil em que era favorito para Palmeiras, Atlético Paranaense e Fluminense, quando tinha evidentemente mais time em todas elas - isso sem falar nas quedas no Gauchão, seja para o Internacional ou equipes do interior, como Caxias e Juventude. Não é à toa que nos Brasileiros, sem momentos realmente decisivos, de pressão e tensão pela falta de títulos, venha se saindo muito melhor. Deve, mais uma vez, fazer um segundo semestre melhor do que o primeiro. Isso vem sendo uma constante nos últimos oito anos.

Dando um parceiro seguro a Pedro Geromel, o Grêmio entrará no Brasileirão como um real candidato ao título, por mais que isso possa parecer um devaneio após um fiasco como o de ontem. Esta, aliás, é a principal diferença técnica dos gaúchos para o Central: o miolo de zaga. Enquanto Donatti tem em Pinola (ontem Burgos, já que Alvarez se recuperava de lesão) um companheiro seguro, Geromel sofre sem alguém que chegue perto de seu nível. O Tricolor tem melhor goleiro e melhores volantes, enquanto os argentinos dispõem de melhores laterais e meias. Mas os pontos fracos, em confrontos parelhos, pesam mais que os fortes, pois são neles que os erros decisivos ocorrem. E, embora Coudet tenha evidentemente vencido o duelo tático contra Roger, foi justamente em quatro erros individuais que os quatro gols argentinos saíram neste mata-mata. Em pontos corridos, porém, este tipo de problema se dilui mais fácil que em jogos de ida e volta - daí as melhores chances gremistas em um torneio longo que em um de tiro curto.

Aquele que tinha tudo para ser o duelo mais interessante e parelho das oitavas de final foi, na verdade, um passeio. O Rosario Central massacrou o Grêmio em casa e fora, e com isso se credencia como nunca antes em sua história a ser finalista da Libertadores. A instabilidade da fase de grupos (quando mesmo assim foi líder de sua chave) e do Campeonato Argentino dizem menos a respeito do nível deste time do que toda a campanha do ano passado. Muito mais confiável é o parâmetro de 2015, quando repetidamente jogava em alto nível, disputou o título nacional até o fim com os poderosos Boca e San Lorenzo e só na venceu a Copa Argentina por conta de uma arbitragem calamitosa na final diante dos xeneizes. Agora, o Atlético Nacional, melhor time da Libertadores até o momento, tem tudo para ser mais um teste para o nível desta equipe - embora, vimos ontem, este time não precise mais ser testado. O Grêmio também foi, embora jamais tenha sido um real desafiante durante todos os 180 minutos de confronto.

Foto: Rosario Central/Divulgação.

Comentários

Anônimo disse…
Tem coisa no vestiário do Grêmio. Não é possível o time ficar sem reação, sem brios, assistindo passivamente ao baile canalla.

Fala-se que o Roger teria há muito perdido a confiança do elenco, pela insistência em determinados jogadores.

Ah, e esse time do Central tomou três gols em casa do Palmeiras. Devagar com o andor.
Vicente Fonseca disse…
Atribuo aquele 3 a 3 com o Palmeiras à instabilidade de início de ano do Rosario Central, normal em qualquer time. A equipe já evoluiu bastante de fevereiro/março para cá. Evoluiu, não: voltou a seu normal, já que em 2015 tinha na segurança defensiva um de seus pilares principais.

Em relação ao que ocorre dentro do vestiário do Grêmio, é difícil saber. Seja como for, sou totalmente a favor da manutenção do trabalho do Roger, que é muito bom, apesar de, claro, ter seus problemas. Acho inclusive que ele não é dos técnicos mais teimosos (exceção à insistência com o Fernandinho, que realmente me parecia desmedida), embora eu também ache que devia dar um tempo em Giuliano e Douglas, por exemplo, em favor de Lincoln e Pedro Rocha. O maior erro dele, a meu ver, foi confiar no Fred pelo que fez no Novo Hamburgo e não cobrar a direção pela vinda de um zagueiro mais experiente. Esse erro custou caro, e todos sabíamos que a chance de esta conta chegar em algum momento decisivo era grande.