Compactação e dinamismo no ataque: os méritos do Grêmio diante do Cruzeiro

Roger Machado deu seu primeiro treino no Grêmio no dia 26 de maio. De lá para cá se passaram apenas 38 dias, mas a evolução da equipe é visível. A tão falada intensidade, claro, é o que aparece "a olho nu". O time tenso e abatido dos últimos dias da passagem de Luiz Felipe Scolari deu lugar a uma equipe muito mais combativa, leve e dinâmica. Os resultados falam por si: em sete jogos, cinco vitórias, um empate e uma derrota, 16 pontos somados em 21 disputados. Um aproveitamento de 76,2%, que obviamente não tem como ser mantido no longo prazo.

As coletivas de Roger são sempre interessantes, porque ele consegue sintetizar claramente como foi o jogo, quais os méritos e os problemas de sua equipe. Na derrota para o São Paulo, seu pior jogo até agora, enxergou bem que faltou compactação, jogadas pelos lados e marcação alta. É importante que quem esteja no comando saiba exatamente porque ganhou e porque perdeu. Ao mesmo tempo, implantando as metas curtas de pontuação, ele consegue manter o grupo de jogadores focado e não deixa o torcedor se iludir com as possibilidades da equipe, embora consiga mantê-lo mobilizado.

As jogadas pelos lados, já falamos aqui, são o primeiro grande mérito do seu trabalho. É um princípio básico do futebol, mas que Felipão parecia não enxergar ou, ao menos, não fazer questão de corrigir. Agora, porém, já no sétimo jogo, é possível perceber mudanças mais elaboradas e complexas na estrutura de equipe do Grêmio. Essa afinação tática tornou possível a ótima atuação diante do Cruzeiro, partida na qual o placar de 1 a 0 só não foi mais amplo porque Fábio estava em uma noite dos melhores Fábios que nos acostumamos a ver na Toca da Raposa na última década.

O primeiro ponto, claro, é a qualidade coletiva do ataque. É possível precisar a posição de Giuliano, Luan, Douglas e Pedro Rocha? Difícil. Normalmente, Roger posiciona Giuliano mais como meia aberto pela direita e Douglas como meia centralizado; na frente, Luan como atacante entre os meias e Pedro Rocha aberto pela esquerda. Não existe uma simetria, portanto. E ela nem faz sentido de existir: as mudanças de posicionamento são constantes entre os quatro jogadores. É possível dizer que o Grêmio joga num 4-2-4 quando tem a bola. Duvidam?
Notem que, neste lance, o posicionamento inicial dos quatro já está alterado: Douglas recuou para receber o passe de Maicon, e Luan, percebendo que o 10 voltou para buscar jogo, se posicionou de forma centralizada no ataque. Walace, quando dá o passe, tem quatro opções de atacantes à sua frente (Galhardo voltava, e por isso não conta). Assim, o camisa 7 recebeu a deixada genial de Douglas e entrou livre. Como o articulador gremista saiu de sua posição adiantada, chamou consigo Bruno Rodrigo, permitindo a Luan entrar por sua costas e ingressar livre na área. Sorte do Cruzeiro que ele demorou um pouco a bater, e Manoel salvou o gol.

Nas jogadas abaixo (ambas resultaram em chances de gol), é possível ver a variação de posicionamento dos quatro homens de frente. Na primeira, um contra-ataque, fica clara a troca de lados dos pontas para confundir a marcação: Pedro Rocha desta vez vem pela direita, dando opção a Giuliano - quase nunca quem conduz o ataque gremista fica sem ter com quem jogar. Mesmo em superioridade numérica (seis contra quatro), o Cruzeiro acabará sofrendo arremate a seu gol neste lance.

Na segunda, através da valorização da posse de bola ofensiva (outro mérito de Roger), o Grêmio abre espaços na defesa mineira, mesmo com ela posicionada em duas linhas de quatro - um antídoto normalmente eficaz neste tipo de situação. Pedro Rocha percebe Marcelo Oliveira entrando entre Mayke e Charles e, num toque, deixa o companheiro na cara do gol. Entrando na área temos um quase mano a mano: cinco gremistas contra cinco cruzeirenses.


O lance abaixo ocorreu no segundo tempo. É uma situação de contra-ataque, que deixa claro que o princípio básico da formação de Roger é sempre haver quatro atacantes quando a equipe tem a posse ofensiva - um meia com três ou quatro opções de passe. Pedro Rocha recebeu na linha divisória do gramado e puxou para o centro. Walace se desprendeu de trás e virou o ponta direita nesta jogada. A inteligência deste tipo de movimentação está no fato de que ela sempre deixa o adversário no mano a mano próximo à área: poucos times possuem uma linha defensiva de cinco jogadores. Os mais organizados defensivamente contam com meias que recuam para recompor os lados. É aí que entram os volantes e meias do Grêmio, sempre tentando sair de trás e surpreender, como Marcelo Oliveira no lance anterior, acima. Atacar com bastante gente e defender com bastante gente é um princípio básico do futebol há algumas décadas, e ajuda a explicar, quando não aplicado, porque muita equipe boa tecnicamente sofre para conseguir bons resultados.


A compactação do Grêmio também pode ser verificada de outras duas formas: em termos defensivos, e se comparada à dinâmica do Cruzeiro.

O principal problema do time mineiro em 2015 é a saída da dupla Ricardo Goulart-Éverton Ribeiro. Nos últimos dois anos, eles conseguiam dar uma transição ofensiva que, se não inspirou Roger, ao menos se assemelha demais à do técnico gremista agora: ao lado de Marquinhos e Willian, ninguém sabia quem era meia ou atacante no Cruzeiro bicampeão brasileiro, pois as posições se confundiam. Neste ano, Marcelo Oliveira decidiu mudar a dinâmica: abriu Marquinhos e Willian pelos lados e centralizou Arrascaeta (ou Gabriel Xavier) na criação. O resultado: uma equipe espalhada e com muito mais dificuldades de agredir o adversário, o que explica as atuações ruins da Raposa na temporada.

No quadro abaixo, é possível enxergar tudo isso. Arrascaeta só cria transtornos para o Grêmio quando vem buscar jogo junto aos zagueiros, muito longe da área. Willian, Marquinhos e Leandro Damião estão longe um do outro. O único jogador desmarcado é Charles. Inteligente, o uruguaio aciona o companheiro, que acerta um belo chute no travessão. Foi a melhor chance cruzeirense no primeiro tempo, o que diz muito sobre o jogo: enquanto o Grêmio criou muitas oportunidades na base da aproximação na etapa inicial, o Cruzeiro só chegou em um ou dois lances de bola parada e numa tentativa de longe. No segundo tempo, com Allano e Marcos Vinícius mais velozes e Willian mais dinâmico no comando do ataque, o time de Vanderlei Luxemburgo foi mais perigoso nos minutos iniciais.

Neste lance também fica clara a compactação gremista, algo que tem chamado muito a atenção nos últimos jogos e ajudou o time a parar de sofrer tantos gols como no começo do campeonato. Notem que o principal meia do Cruzeiro está com a bola dominada na intermediária ofensiva, mas Geromel e Rhodolfo estão adiantados, fora da área, o que ajuda a diminuir o espaço para a equipe mineira trabalhar o lance. Já Giuliano, jogador mais adiantado (quase fora do quadro), está menos de cinco menos atrás da linha de Arrascaeta. Ou seja: os dez jogadores de linha do Grêmio estão separados por cerca de 20 ou 25 metros. Isso é compactação, e o que há de mais moderno no futebol atual.

É muito cedo para dizer até onde vai Roger no Grêmio, pois muitos outros fatores podem influenciar numa trajetória longa como a do Brasileirão, mas uma coisa é certa: com um pequeno sopro de novas ideias, implantadas em pouco mais de um mês, ele transformou um time abatido e com medo de cair num candidato a G-4, com resultados conquistados com merecimento, à base de bom futebol. O futebol brasileiro tem jeito, sim. Basta darmos um chance ao novo e a quem estuda.

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