O dia mais triste da história do Grêmio

Muito já foi dito a respeito do tema. O julgamento durou quatro horas. O resultado foi o que se esperava. Portanto, em vez de me alongar, vou resumir em tópicos o que penso do que ocorreu no STJD.

1) Ser expulso da Copa do Brasil por ofensas racistas é o maior fiasco da história do Grêmio. Não há rebaixamento nem jejum de títulos que se assemelhe ou chegue perto. Fico imaginando a tristeza de Fábio Koff, presidente das maiores glórias da história do clube, ao acompanhar de tão perto o dia mais triste dos 111 anos da agremiação.

2) O Grêmio merecia uma punição, mas a exclusão do torneio é uma pena exagerada. A condenação não tem grandes efeitos práticos em termos esportivos (o time estava quase eliminado mesmo pelo Santos), mas é a tal pena "para servir de exemplo". E penas exemplares costumam ser excessivas. Foi o caso, pois o clube jamais se omitiu no combate ao racismo, rechaçou a conduta racistas dos torcedores que ofenderam Aranha e não negou em momento algum que as ofensas tenham ocorrido.

3) Espero que o STJD passe, a partir de agora, a punir com rigor todos os clubes cujos torcedores cometerem ofensas deste tipo ou de outro, previstas no artigo 243-G do CBJD. Só assim é que se dará mesmo o tal exemplo. Mas, acima disso, espero (na verdade, torço muito para) que nunca mais tenhamos um julgamento com o teor do que tivemos hoje no futebol brasileiro, que esta pena imposta ao Grêmio sirva para isso.

4) Apesar de considerar a pena excessiva, não se pode dizer que o Grêmio foi tirado para Cristo nessa história. Se há um clube que merece pagar pelos atos racistas de seus torcedores é mesmo o Tricolor, que já é reincidente neste tipo de denúncia. O clube merecia, sim, ser punido. Apenas discordo da pena máxima pelo fato de o clube ser atuante no combate ao racismo. Ainda assim, um dos auditores lembrou bem que combate ao racismo é obrigação de qualquer entidade esportiva, e não pode servir de atenuante. É um excelente contraponto, mas sigo discordando da pena.

5) A indignação do torcedor gremista que estiver revoltado com o resultado do julgamento precisa se voltar não contra o STJD, mas contra os torcedores que ofenderam Aranha e contra os que seguem entoando cânticos com a palavra "macaco" na Arena - a acusação utilizou como prova os cantos "folclóricos" da Geral no último domingo. É inadmissível que esse tipo de manifestação siga ocorrendo, seja através de ofensas a um jogador ou em forma de músicas provocativas ao Internacional ou qualquer outro rival. Os gremistas precisam, mais do que quaisquer outros torcedores brasileiros, se manifestar ostensivamente contra o racismo a partir de agora, e não tolerar mais de modo algum esse tipo de manifestação em jogos do clube. Aliás, qualquer indignação de qualquer gremista é menor, certamente, que a dos negros que se sentiram ofendidos com o caso, sem falar na do próprio Aranha. Não custa lembrar.

6) Espero, sinceramente, que a torcida do Grêmio e as de outros clubes brasileiros mudem de atitude após este episódio, independente da gravidade da punição. Estádio de futebol não pode mais ser o lugar onde todo tipo de preconceito possa ser exprimido livremente, como se estivesse à parte da sociedade. Torço também para que as demais torcidas brasileiras, em vez de comemorarem a punição ao Grêmio, lamentem o episódio e ponham a mão na consciência. Afinal, racismo não é uma exclusividade do Grêmio, nem do Rio Grande do Sul, e é algo muito mais sério do que clubismo. Ainda assim, acho que o clubismo raso seguirá imperando.

7) O STJD, definitivamente, precisa ser extinto. Foram quase quatro horas de depoimentos, argumentações exaustivas, e todos os auditores vieram nitidamente com seus votos prontos, idênticos, talvez até combinados. Um deles, Ivaney Caires, chegou a cochilar durante a fala do advogado de defesa, mas bradou, como um pavão, quando teve a palavra, ciente de que a imprensa do país inteiro acompanhava a sessão. Os auditores, como sempre ocorre nestes casos, bancaram os justiceiros, com falas recheadas de moralismo, sempre fazendo um repugnante joguinho de cena. Mais uma vez, todos levaram em conta simplesmente o que manda o texto do CBJD, como no caso da Portuguesa de 2013. Um tribunal de penas seria mais barato e eficaz, e bem menos chato.

Atualização
Horas depois deste texto ir ao ar, estourou o racismo de um dos auditores do caso de ontem. Como eu dizia ontem, o STJD é um circo, recheado de moralismo. Como não aguento mais me estender a respeito deste caso, sugiro (como de costume) a leitura dos amigos do Grêmio Libertador. Reflete bem o que penso deste absurdo, que é até mais grave que as ofensas dirigidas ao goleiro Aranha, já que são postagens repetidamente preconceituosas por quem pretensamente deveria agir em prol da justiça desportiva. Isso sem falar na hipocrisia do senhor Ricardo Graiche, claro.

Comentários

Caio Maia disse…
"Mais uma vez, todos levaram em conta simplesmente o que manda o texto do CBJD". mas cara, o que é que eles deviam considerar além do texto da lei?
Vicente Fonseca disse…
Caio, o que quero dizer é que os auditores fazem uma leitura literal do texto. Todo texto de lei pode ser interpretado, e a função de um auditor também é essa. Um dos auditores chegou a dizer que achava injusto o texto de uma das leis no caso de hoje do Grêmio, mas que ia segui-lo igual. Por quê? A meu ver, para se isentar de responsabilidade. "Tá escrito lá, a culpa não é minha", algo assim.

Por isso que digo: se o auditor está ali para simplesmente pegar a letra fria do texto legal, precisa mesmo haver STJD? Um tribunal de penas não resolveria tudo de uma forma mais simples, rápida e barata? A meu ver, sim. E não faria diferença alguma no que temos visto no tribunal.

Abraço.
Fiorella disse…
Achei seu texto muito bom e concordo com ele até a parte em que eu fiquei com a impressão de que você estava diminuindo a ofensa que eu, gremista, sofri. Desculpa, nessa história toda eu fui chamada de racista. Se você não acha isso ofensivo, eu acho, e muito. E me sinto no direito de me indignar contra meu agressor e não concordar com a generalização.
Combater racismo com qualquer outro tipo de preconceito ou injustiça não é o caminho pra nenhum lugar melhor do que o atual, só lamento isso. E punir tão fortemente um coletivo que se esforçou pra buscar os culpados só faz paradoxalmente aumentar ainda mais o sentimento de impunidade.
Fabricio disse…
Belo texto, mas a confusão continua sendo feita. O macaco cantado nas músicas da geral não tem nada a ver com cor de pele. Minha mãe é colorada e eu a chamo de macaca em brincadeiras sobre a dupla grenal, meus amigos colorados eu chamo de macaco, é normal em grenais vermos torcedores gremistas negros chamando o dalessandro de macaco quando vai cobrar um escanteio. Não sei se é desinformação da mídia ou intencional não levar isso em consideração.
Vicente Fonseca disse…
Fiorella, eu acho ofensivo, tanto que sou gremista e acho gravíssimo o massacre que vem sofrendo o Grêmio e seus torcedores por conta desse episódio. A execração pública de quem ofendeu o Aranha (ou de quem não ofendeu e entrou na generalização por injustiça) é igualmente grave pois é mais uma forma de violência, que não só não ajuda a combater o problema como causa outros (xenofobia contra gaúchos, por exemplo).

Em suma: não diminuo a ofensa que tu sofreste porque eu também a estou sofrendo. Não concordo com a generalização, de maneira alguma, e se o texto deu a entender que eu concordo, digo aqui que sou completamente contrário a essa ideia absurda.
Vicente Fonseca disse…
Fabrício, agradeço o elogio. Só tem um ponto que eu queria deixar claro: acho que não vem mais ao caso se o canto da Geral é racista ou não. O que ocorre é que, sendo o Grêmio um réu em processo de racismo, a torcida simplesmente não pode se dar ao luxo de cantar uma música com a palavra "macaco". A história de que os colorados acompanhavam os jogos em árvores, e por isso passaram a ser chamados de macacos, é conhecida por pouca gente; no entanto, o termo "macaco" é conhecido por 99% do Brasil. E a utilização de um canto com essa palavra, seja a intenção boa ou ruim, corrobora para a imagem de que a torcida do Grêmio é simpática ao racismo, seja a fama justa ou não, seja por desinformação ou não. É uma questão de preservar e recuperar a imagem do Grêmio evitar esse tipo de música nos dias de hoje.
Fiorella disse…
Valeu pelo esclarecimento. Foi uma impressão que tive lendo parte do tópico 5, mas entendi suas colocações. Abraço.
Vicente Fonseca disse…
Tranquilo, acho que faltou mesmo deixar um pouco mais claro. Como eu disse no texto: acho injusto punir o Grêmio com tanta força porque o clube fez de tudo mesmo para punir os racistas, mas a minha indignação, como gremista, é bem maior com os racistas do que com o STJD - embora ele tenha sido lamentável, como de costume.

Abraço!