Os ingredientes para uma grande final

A enxurrada de preconceitos de boa parte da imprensa esportiva brasileira encobre uma final de Libertadores interessantíssima. É muito fácil e extremamente tentador relacionar a chegada de ambos à decisão ao fiasco do Brasil na Copa do Mundo, ao mau momento que vive o futebol brasileiro. Mas é também um argumento extremamente simplista, que parte sempre da premissa arrogante de que outros países podem conquistar títulos sul-americanos se, e somente se, o Brasil "deixar". Não vou me estender demais nesse tema, até porque o Impedimento já o fez brilhantemente ontem.

O fato que torna a final de hoje inusitada não é o de não termos nenhum brasileiro em campo, algo que desde 2004 não ocorria, mas o de que estarão no Defensores del Chaco os dois piores entre os 16 que chegaram ao mata-mata desta Libertadores. Isto jamais havia acontecido. Trata-se de uma clara demonstração de que este torneio tem duas etapas muito distintas: a primeira fase, que serve apenas para apontar os classificados aos mata-matas; e a fase eliminatória, que é muito distinta da etapa anterior. Uma boa campanha nem sempre é garantia de sucesso no final. O fato de o Atlético Mineiro ter sido o único campeão até hoje que também foi o líder geral da primeira fase já era um indicativo bem forte disso.

San Lorenzo e Nacional têm uma outra coincidência em suas trajetórias: o fato de já terem, na prática, enfrentando mata-matas desde a etapa de grupos. Na última rodada da primeira fase, ambos precisavam de qualquer modo vencer para seguirem vivos. Os argentinos bateram o Botafogo por 3 a 0, que era o placar necessário para chegarem às oitavas. Já os paraguaios venceram o Santa Fé em um jogo igualmente dramático, por 3 a 2, em Assunção. Ambos chegaram às oitavas como a rapa do tacho. Isso os deixou desde já experimentados para os confrontos eliminatórios. Às vezes, é até mais importante do que fazer uma campanha espetacular nos seis jogos iniciais. Para buscar um exemplo rápido e local, o Grêmio foi finalista em 2007 exatamente deste modo, após vencer dramaticamente o Cerro Porteño em seu último jogo da etapa inicial. Chegou a ponto de bala para as oitavas.

A final pode não ser a mais charmosa e atraente para a grande mídia, mas é justíssima. Ambos eliminaram as quatro equipes de maior qualidade técnica do torneio, e isso é um mérito dos finalistas, muito mais do que um demérito de quem ficou pelo caminho. O San Lorenzo eliminou o Grêmio, o campeão do grupo da morte e time que apresentou melhor futebol da Libertadores enquanto esteve vivo. Além disso, tirou também o Cruzeiro, campeão brasileiro e maior favorito ao título quando a competição começou, e que comprova sua qualidade rodada após rodada fazendo uma campanha espetacular rumo ao bi nacional. Já o Nacional tirou da Copa o Vélez, time de melhor desempenho de toda a primeira fase, e o Defensor, que foi a namoradinha da América do Sul por seu futebol rápido e envolvente, cheio de qualidade técnica. É indesmentível o mérito dos finalistas.

Apesar de tantas semelhanças, há uma diferença, e que, com o perdão da redundância, pode fazer a diferença: o San Lorenzo chega sob pressão; o Nacional chega empolgado por já ter feito muito além do que pode. E essa cegueira faz parte do preconceito tupiniquim sobre a final: o Ciclón, histórico ruim em Copas à parte, entrou nela como um candidato ao título - situação muito semelhante à vivida recentemente por Internacional, Fluminense, Corinthians e Atlético Mineiro, brasileiros badalados pela imprensa nacional, mas ao mesmo tempo pressionados por nunca terem chegado tão longe. Nenhum campeão argentino vai a passeio a uma Libertadores. A equipe tem grandes jogadores, foi crescendo ao longo da trajetória e tem qualidade superior à do Nacional. Inusitado, mesmo, é o time guarani ter chegado tão longe. O time paraguaio vem fazendo um trabalho de reconstrução há alguns anos, se recolocou como um postulante a títulos no cenário nacional, mas chegar às oitavas é que era um objetivo plausível. Decidir a Libertadores soa como uma (maravilhosa) queima de etapas nesse processo.

Mas é justamente por isso que não dá para prever nada nesta decisão. O San Lorenzo é o favorito, mas isso lhe traz uma pressão extra ao que já é histórico: a gozação dos seus rivais argentinos pelo fato de nunca ter levantado a América. O Nacional é tecnicamente inferior, mas igualmente vem crescendo de produção, e joga muito mais relaxado, com o país a seu favor, e não contra. Como o aspecto psicológico conta quase tanto quanto o técnico em uma final, ainda mais de Libertadores, tudo se equilibra.

São muitos ingredientes, muitas variantes, que tornam esta final, na verdade, espetacular, e não medíocre. Não querer enxergar isso é arrogância e preconceito, apenas.

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