Um tango em Itaquera

A Argentina já sofreu para bater o Irã, nos descontos, num golaço de Messi. Mas nada se compara à emoção vivida pelos hermanos hoje, no começo da tarde, no Itaquerão. Um jogo dramático como um bom tango, no qual Messi e Di María se juntaram, como se fossem Gardel e Piazzolla, para criar uma obra-prima, em cima da hora. Individualidades que, mais uma vez, levam a Argentina adiante na Copa do Mundo.

O que se viu em São Paulo tem-se visto em vários jogos dessas oitavas de final: o favorito entra tomando iniciativa e pega uma equipe bem postada atrás, que fecha os espaços, equilibra a partida a partir disso e leva perigo nos contra-ataques. Alemanha e França, por exemplo, sofreram assim ontem. A Suíça, porém, tendia a causar mais dificuldades do que Argélia e Nigéria criaram para as favoritas europeias na segunda-feira, pelo fato de ser tecnicamente mais forte. E foi exatamente o que aconteceu.

O primeiro tempo foi um jogo de xadrez, com poucas emoções, muito truncado. A Suíça entrou não no seu 4-3-3 tradicional, mas num 4-5-1. Os pontas Shaqiri e Mehmedi tiveram muito boa atuação não só por preocuparem a defesa argentina através de rápidos contragolpes, mas por recomporem o meio com competência. Messi atuou recuado em relação a Lavezzi e Higuaín, mas sem a bola se comporta quase como um atacante, apenas cercando a saída de bola adversária. Assim, Behrami e Inler, os volantes suíços, tinham liberdade para lançarem os homens de frente, uma arma importante. Na melhor chegada, Drmic entrou livre, Romero hesitou ao sair do gol, mas defendeu o chute do fraco do centroavante europeu.

A Argentina melhorou na volta do segundo tempo, tendo postura mais agressiva. A equipe de Sabella encurtou o campo, dificultou ao máximo os lançamentos suíços e teve mais a bola no ataque. Os primeiros minutos foram de forte pressão, e ajudaram a tornar Benaglio o melhor jogador em campo. Quase todas as jogadas passavam por Messi, que se desvencilhava da marcação na base da genialidade. Vendo que seu time começava a perder o meio por conta dessa nova postura argentina, Hitzfeld retirou Xhaqa e colocou em campo Gélson Fernandes, autor do histórico gol contra a Espanha em 2010, dando mais poder de marcação ao meio e dando a Shaqiri atribuições mais criativas que de velocidade. A troca funcionou: a Suíça estancou um pouco a pressão dos sul-americanos, que passavam a depender cada vez mais de jogadas individuais para superar o bloqueio.

A prorrogação foi, como todas têm sido, absolutamente emocionante. Visivelmente desgastada fisicamente, a Argentina teve muitos problemas para chegar com perigo no primeiro tempo. Os últimos três minutos dos 15 iniciais foram preocupantes: uma Suíça bem mais inteira trocava passes com relativa liberdade e puxava o "olé" dos brasileiros que secavam a eterna rival. A vantagem psicológica era grande. O intervalo da prorrogação foi mais longo do que o habitual, e era ainda mais preocupante ver Messi extenuado, de cabeça baixa, aparentemente abatido e seguramente exausto. Era dura sua vida: fazia ótima partida, chamava o jogo o tempo todo, mas era muito bem marcado. Ele sabia que sua muito boa atuação não seria suficientemente e justamente lembrada se ele não decidisse o jogo.

Mas de um gênio não se pode duvidar. Sem conseguir pressionar como antes devido ao cansaço, a Argentina procurou seu craque aos 12 minutos. E ele decidiu: fez toda a jogada individual que abriu a defesa suíça e achou Di María liberado para um chute cruzado e cirúrgico. Alguém lembrou do dia 4 de julho de 1994? Naquela data, num jogo igualmente muito difícil, o gênio Romário fez jogada individual da esquerda para o meio, como Messi hoje, e deu o toque para Bebeto, pela direita, chutar cruzado e vencer o goleiro, como fez Di María. Foi nas oitavas de final. E acabou em título.

Mais uma vez, não cabe numa situação dessas encher a Argentina de críticas pela dificuldades com que ela obteve a classificação, mas sim dizer que a Suíça foi um oponente que valorizou demais a vaga para as quartas de final. O time de Sabella não demonstrou a insegurança defensiva de outros jogos, superou todos os seus limites físicos e chegou ao gol na base da individualidade - e ela é uma arma poderosa, que talvez nenhuma outra seleção tem tão forte. É claro que houve problemas, e eles precisam ser corrigidos. No caso de hoje, Higuaín seguiu sendo insuficiente, embora um pouco melhor que em outros jogos, e Lavezzi não deu a resposta esperada. Palacio, que melhorou o ataque quando entrou, pode receber uma chance diante de Bélgica ou Estados Unidos.

Ficha técnica
Copa do Mundo 2014 - Oitavas de Final
1º/julho/2014
ARGENTINA 1 x SUÍÇA 0
Local: Itaquerão, São Paulo (BRA)
Árbitro: Jonas Eriksson (SUE)
Público: 63.255
Gol: Di María 12 do 2º da prorrogação
Cartão amarelo: Garay, Rojo, Di María, Xhaqa e Gélson Fernandes
ARGENTINA: Romero (7), Zabaleta (6,5), Fernández (6), Garay (6) e Rojo (7,5) (Basanta, 15 do 1º da prorrogação - 6); Mascherano (8), Gago (6) (Biglia, intervalo da prorrogação - 6), Di María (8,5) e Messi (8); Lavezzi (5,5) (Palacio, 28 do 2º - 6,5) e Higuaín (6). Técnico: Alejandro Sabella
SUÍÇA: Benaglio (8), Lichtsteiner (5), Djourou (7), Schär (6) e Rodríguez (7,5); Behrami (7), Inler (7) e Xhaqa (6) (Gélson Fernandes, 20 do 2º - 6); Shaqiri (7), Drmic (6) (Seferovic, 36 do 2º - 5,5) e Mehmedi (6,5) (Dzemaili, 7 do 2º da prorrogação - sem nota). Técnico: Ottmar Hitzfeld

Comentários

Chico disse…
Messi e Di Maria estão levando a Albiceleste en las espaldas.
Franke disse…
O lance do gol. O momento do gol. E o não-gol da Suíça aos 120.

Argentina campeã.
Vicente Fonseca disse…
Pintou a campeã, Franke. Acho que o Papa Francisco leva as duas Copas este ano - a da América e a do Mundo. Mas, racionalmente falando, a Alemanha é melhor, a França tá jogando mais e a Holanda fortíssima. Sem falar nos donos da casa.