Uma campeã perdida

Quem eliminou a campeã mundial Espanha da Copa de 2014 não foi o Chile, foi o Brasil. Não se trata de um delírio nacionalista, mas de uma simples constatação: a de que, após a goleada sofrida na final da Copa das Confederações para a seleção de Felipão, os espanhóis se perderam. Colocaram em xeque seu histórico estilo de toque de bola e paciência, e não encontraram desde então uma nova forma de se impor aos adversários. A Espanha de 2008 a 2013 nunca esteve em campo aqui nesta Copa, e por isso está eliminada do Mundial com uma rodada de antecedência na primeira fase, algo inédito na história dos Mundiais.

O mesmo Maracanã que viu aquela antiga Espanha ser derrotada e talvez sepultada, viu a seleção de Del Bosque, pouco menos de um ano depois, cair de joelhos diante de um Chile absolutamente superior. Eram 48 segundos quando os chilenos tiveram sua primeira chance. Mas os espanhóis, precisando do resultado, não ficaram atrás: tentaram tomar a iniciativa do jogo, até tiveram chances, mas faltou a peça mais importante da engrenagem espanhola: Xavi. Foi mal na última temporada europeia, é verdade, jogou pouco diante da Holanda, mais verdade ainda, mas sua saída do time ocorreu no momento equivocado. Não era a hora: ou se mudava antes da Copa, ou depois dela. Se a Espanha não está acostumado a jogar sem abusar da posse, está ainda menos apta a fazer isso sem seu centralizador.

Tanto isso é verdade que a Espanha jogou, contra o Chile, tanto quanto contra a Holanda, embora com menos erros defensivos - e só por isso não foi goleada de novo. Com a bola nos pés, seguiu sendo um time previsível, com menos toque de bola do que em seus bons tempos, que fez mais ligação direta do que devia, e o principal: marcou pouco e mal o time chileno. Aquela marcação-pressão adiantada jamais foi vista na Copa de 2014. A ocupação de espaços foi igualmente falha, como se viu no gol de Vargas.

Aliás, neste gol, o Chile mostrou tudo o que a Espanha não teve: criatividade e capacidade de surpreender e envolver o adversário. Como costuma fazer no Inter, Aránguiz surge de trás como um raio e invade a área após roubada de bola do monstruoso Vidal e passe do excepcional Alexis Sánchez, pegando todo o sistema defensivo espanhol de surpresa, e serve Vargas, que conclui com extrema destreza, com categoria de quem sabe tratar bem a redonda. A desvantagem desnorteou os espanhóis, que caíram na depressão de vez com o gol do próprio Aránguiz, no final do primeiro tempo.

Del Bosque encheu seu time de peças ofensivas no segundo tempo, mas jamais a Espanha esteve perto de ameaçar a vitória chilena. Seguiu sendo um time pouco objetivo, nada criativo e extremamente deficiente defensivamente (o Chile teve chances de ampliar). A Copa espanhola foi tão ruim que a Austrália enfrentou Chile e Holanda claramente melhor do que a campeã do mundo. E o grupo considerado mais difícil do Mundial 2014 se decide rápido, com uma rodada de antecedência e sem a grande disputa que se previa. O que ninguém esperava é que a baba da chave fosse ser justamente a maior favorita antes de o Mundial.

A derrota e a humilhante campanha espanhola encerram um ciclo na seleção. Jogadores como Casillas, Xavi, Fernando Torres e Xabi Alonso, todos já acima dos 30 anos, devem ter disputado sua última grande competição pela Fúria. Del Bosque é outro que certamente está de saída. Será preciso recomeçar tudo de novo, mas talvez não tão do zero assim: a Espanha segue tendo grandes jogadores, muita renovação de talentos, e possui um norte, o qual jamais deveria ter sido abandonado, que é o seu jogo de intensa posse de bola, deixado de lado após aquele fiasco na decisão da Copa das Confederações. É preciso retomar este sistema e saber como impô-lo quando ele for bem marcado, e não abandoná-lo após uma derrota marcante, como ocorreu de julho de 2013 para cá.

Quanto ao Chile, não é a seleção mais forte da América do Sul (a Argentina está à frente), mas é sem dúvida a que joga o melhor futebol. Enfrentará a Holanda sem Van Persie e tem chances de vencer e acabar o grupo como líder. Se não conseguir, deverá enfrentar o Brasil nas oitavas, numa revanche de 1962, 1998 e 2010. Mas não se enganem com o histórico favorável: diante da melhor seleção chilena de todos os tempos, esta mediana geração brasileira pode se complicar, mesmo jogando em casa. Futebol este Chile está jogando bem mais do que os anfitriões.

Ficha técnica
Copa do Mundo 2014 - Grupo B - 2ª rodada
18/junho/2014
ESPANHA 0 x CHILE 2
Local: Maracanã, Rio de Janeiro (BRA)
Árbitro: Mark Geiger (EUA)
Público: 74.101
Gols: Vargas 19 e Aránguiz 42 do 1º
Cartão amarelo: Xabi Alonso, Mena e Vidal
ESPANHA: Casillas (4,5), Azpilicueta (5), Martínez (5), Sergio Ramos (4,5) e Alba (4,5); Busquets (4,5), Xabi Alonso (5) (Koke, intervalo - 5) e Iniesta (5,5); Silva (5), Diego Costa (5,5) (Torres, 18 do 2º - 4,5) e Pedro (5) (Cazorla, 30 do 2º - 5,5). Técnico: Vicente del Bosque
CHILE: Bravo (7), Medel (6), Silva (6,5) e Jara (7); Isla (7), Vidal (7) (Carmona, 42 do 2º - sem nota), Aránguiz (8) (Gutiérrez, 18 do 2º - 6), Díaz (6,5) e Mena (6,5); Sánchez (7,5) e Vargas (7) (Valdivia, 39 do 2º - sem nota). Técnico: Jorge Sampaoli

Comentários

Franke disse…
Essa eliminação nos dá muito a pensar. A primeira coisa que vim matutando enquanto caminhava na volta do trabalho é a sensação que ficamos após essas derrotas da Espanha, que é de uma totalidade acachapante. Ao final destes dois jogos, a Espanha não esteve perto de vencer em nenhum momento. Nenhum mesmo. Isso difere, e muito, da sensação das vitórias de 2010, sobretudo no matamata, quando a Espanha venceu todos os jogos pelo placar mínimo e esteve, pelo menos em dois jogos (contra Paraguai e Holanda) a um lance de levar o gol que muito provavelmente a eliminaria.

Nada tira o mérito do título mundial espanhol na Copa passada, mas o modo como ela foi derrotada aqui, em contraste com o modo com que venceu na África do Sul, nos faz pensar (mais uma vez) sobre o estilo de jogo espanhol.

Até mesmo o Barcelona, quando vencia no estilo posse de bola, dava alguns espetáculos e metia umas goleadas. Eu realmente não consigo me lembrar de uma vitória contundente dessa Espanha que marcou época.
Vicente Fonseca disse…
Teve na Euro, os 4 a 0 na Itália em 2012 e os 3 a 0 na Rússia em 2008. Contra a Alemanha, em 2010, foi só um 1 a 0, mas foi um passeio. Mas realmente, a Espanha a mim sempre foi uma seleção muito pragmática, que jogava disfarçada de artística.
Franke disse…
Verdade, essa vitória na final da Euro foi de autoridade. O 1 x 0 na Alemanha foi o jogo mais convincente em 2010.
Anônimo disse…
O jogo com a Itália foi uma exceção para a Espanha na Euro passada, no entanto, que não jogou muito bem.

Acho que apenas a Alemanha rivaliza a Espanha em termos de plantel. Muito caldo para dar ainda.
Chico disse…
Vicente está completamente certo. Del Bosque mexeu muito mal e a Fúria fez tudo errado.
Trágica a eliminação espanhola.

La Roja jogou com um surpreendente 3-5-2 e funcionou muito bem.