Luto por um mito

Passei o sábado fora, e por isso não consegui me manifestar antes. Talvez tenha sido, no entanto, um dos primeiros gaúchos a saber da morte de Fernandão. Estava rumando a Jaguarão, talvez pela altura de Camaquã, quando ouvi pelo rádio, por volta de 6:30 da manhã, da tragédia. A reação, como a de quase todo mundo, foi inicialmente de descrença, a seguir de muita tristeza e até agora da mais absoluta perplexidade.

É justamente pelo fato de terem se passado mais de 24 horas do que aconteceu que não vejo grande necessidade de discorrer sobre Fernandão, pois creio que praticamente tudo já foi dito. Ainda assim, não dá para passar em branco a respeito desta tragédia, talvez a maior do futebol gaúcho desde a igualmente estúpida, marcante e precoce perda de Everaldo, igualmente por um acidente, mas de carro, há 40 anos - com o agravante em termos de impacto de ainda ser jogador do Grêmio quando faleceu.

Porque Fernandão não é apenas um ídolo da torcida do Internacional, mas um personagem da história do nosso futebol. A imensa quantidade de mensagens pesarosas de todas as torcidas brasileiras, e não só a do Inter, mas também a do eterno rival Grêmio, e outras tantas espalhadas por outros estados que não os seus amados Rio Grande do Sul e Goiás, deixam claro. Fernandão era mais que um jogador, um ícone colorado: era um cidadão, do mais alto nível, daqueles que a gente precisa não só no mundo do futebol, mas principalmente fora dele também, por sua postura, inteligência acima da média, elegância no trato com todos.

Fernandão, vivo, já era um mito. Uma figura única, carismática, de características físicas muito peculiares, porte, elegância, educação. Um jogador que se doou fazendo um Mundial de 2006 sem brilho em prol do coletivo, quando poderia, pela bola que jogava, ter tido a vaidade de não querer marcar tanto quanto marcou os jogadores do Barcelona. Suas atuações em Yokohama não foram brilhantes, foram discretas, mas foram de um abnegado, de um meia-atacante que virou volante, orientou como treinador e se dedicou como torcedor. E que virou torcedor ao puxar o grito da galera no Beira-Rio lotado, dois dias depois, comemorando a maior conquista da história do clube que ele tanto aprendeu a amar. Um líder nato, que se impunha não pelos gritos, mas pelas atitudes.

Se vivo ele já era um mito, agora, entrou de vez para a mitologia do futebol gaúcho e brasileiro. Nossos filhos e netos que não viveram esta época, um dia vão se impressionar com nossos relatos sobre um cara alto, cabeludo, de espírito forte, que veio da França para marcar o milésimo gol da história dos Gre-Nais em sua estreia pelo Inter, minutos depois de sair do banco de reservas. Sobre o cara que fez tudo o que fez em 2005, em 2006, que fez três gols no massacre ao Juventude na final de 2008, e que, aos 36 anos, desapareceu do nada, assim como surgiu quase do nada naquela tarde fria de julho de 2004 para em seu primeiro toque na bola como jogador do Inter já entrar na história.

Talvez dirão que é mentira, mas sabemos que é verdade. Sorte a nossa, que vimos tudo isso.

Comentários

Lique disse…
não se compara em termos de história no clube, mas a morte do dener, na época, foi igualmente chocante para mim. lamentável, fernandão era gente fina.
Vicente Fonseca disse…
É verdade. Curioso que estas três mortes ocorreram em espaços de 20 anos - 1974, 1994 e 2014.
Vine disse…
Foi o único jogador com inteligência e habilidade para transformar um chute do goleiro em passe, seja com a cabeça ou, pasmem, com o peito, fora o nível de liderança e entrega.